Entrevista com o Prof. Dieter Muehe

O geógrafo comenta sobre o recente “Panorama da Erosão Costeira no Brasil”, publicado no fim do ano pelo Programa de Geologia e Geofísica Marinha, no qual estuda o processo de erosão na faixa costeira do Brasil

A erosão afeta 60% do litoral brasileiro e deforma centenas de quilômetros de praia.
(Foto: Getty Images / BBC News Brasil)

Comunitexto: O objetivo do seu estudo, elaborado junto a outros colegas, é atentar para a ordem na ocupação do litoral para evitar piorar a situação. De acordo com sua experiência e com aquilo que está vendo no país, é possível reverter essa situação?

Dieter Muehe: Reverter, creio que quase impossível. Reduzir a emissão de gases de efeito estufa vem sendo tentado, mas não tem sido suficiente. Há ainda muitas dúvidas sobre como as diversas forçantes interagem. Até a função das florestas, onde há consenso em relação à sua importância de absorver o CO2, é questionado devido a outros efeitos de emissões lançados na atmosfera, pelas mesmas, ainda pouco conhecidos. Um aspecto importante é a substituição da queima de petróleo por energia limpa, principalmente no uso do automóvel, um processo em andamento acelerado.
No caso da ocupação do litoral o importante é a informação, ou seja, a educação já como parte da educação em nível médio e superior, a realização de estudos de vulnerabilidade à erosão e inundação para todos os empreendimentos novos com espaço de ajustamento da linha a um cenário pessimista de elevação do nível do mar. Para isso as prefeituras necessitam de quadros técnicos para auxiliar na implantação desses estudos e medidas junto com a administração estadual e federal.

CT: O último Panorama da Erosão Costeira no Brasil mostrou que a erosão já tomou posse de 60% do litoral do País. Para que o público entenda melhor, quão grave é isso?

DM: Este não é um número fixo. O percentual varia ao longo da costa. Nesse percentual está incluído todo tipo de erosão independentemente da sua magnitude. Para isso teríamos que definir quantos metros por ano, em média, a linha de costa recuo. Para ter uma média precisamos de observação de várias décadas. Isto só está começando a ficar viável mais recentemente. As imagens de satélite com precisão suficiente são muito caras de modo que apenas em algumas áreas foi possível utilizar esta ferramenta.
No próximo levantamento já teremos um conjunto de ferramentas mais precisas. No momento o importante é termos uma ideia do que está acontecendo para que possamos identificar os segmentos sob maior risco, os chamados hot spots, e ter uma visão de conjunto de todo o litoral, ao mesmo tempo em que chama a atenção da sociedade para o problema.

CT: Existe alguma temporada específica onde os processos erosivos agem com mais rapidez?

DM: Sim. Principalmente no Sul, Sudeste e parte do Nordeste estão muito associados à penetrações de frentes frias com ondas de tempestade que provocam erosão. Esta erosão é muitas vezes revertida com o retorno dos sedimentos da zona submarina para a praia após a tempestade. A maior intensidade desses eventos tende a ocorrer na primavera e no outono. Já em parte do Norte e Nordeste tem ocorrido eventos de ressaca devido à penetração de ondas geradas no hemisfério norte.

CT: As instalações hoteleiras e particulares próximas a costa tomaram conta do litoral nos últimos anos, e um crescimento está sempre na pauta, levando em consideração a superlotação de algumas regiões durante o verão. Como estabelecer um diálogo num país pouco preocupado com seus bens naturais e ditado por gente rica?

DM: Este é justamente o problema já apontado acima. Essas instalações, muitas vezes tem vida curta quando construídas em segmentos com processo de erosão ativo. É para identificar esses segmentos que é necessário realizar os estudos como os do Panorama da Erosão Costeira.

CT: Muros ou barreiras de contenção estão sob risco?

DM: Qualquer barreia sólida pode resolver temporariamente um problema local, mas tende a transferir o mesmo para outros pontos. Para sua implantação é fundamental a realização de estudos geomorfológicos, sedimentológicos, oceanográficos e de engenharia costeira para buscar a melhor solução. A tendência atual é priorizar a recuperação de praias por meio de aterros com areia compatível.

FONTE: Oficina de Textos

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