Ocupação da Zona Costeira ainda gera opiniões divergentes (CE)

A legislação não permite construções, mas as barracas já fazem parte do dia a dia dos cearenses
 
Na Praia do Futuro, as barracas funcionam como um espaço de lazer da cidade Foto: Tuno Vieira
Dois terços da população mundial vive em cidades localizadas nas zonas costeiras. Multiplicando-se essa densidade pela diversidade de interesses é possível ter uma dimensão da necessidade de uma legislação que equilibre, com rigor, a ocupação, pelo bem da utilidade pública, viabilidade econômica e preservação socioambiental. Ela existe, mas a subjetividade com que é tratada, por diversos interesses, promove as ocupações e, paradoxalmente, as coloca em risco.

Quem mora nos prédios da Avenida Beira-Mar, em Fortaleza, por exemplo, não toma banho no mar em frente porque a água está poluída, especialmente, pelos dejetos (esgoto e lixo) provenientes da própria Cidade, inclusive de seus moradores. E já tem turista deixando de ir a algumas barracas na Praia do Futuro pelo mesmo motivo.

Fedentina e comida não combinam, apesar de concomitantes. Mas o fato é que, até o início deste ano, de cada dez barracas, pelo menos oito ainda não tinham ligado seus efluentes à rede de esgotamento sanitário. Parte disso é justificada pela não permissão de ligações de esgoto, pois, para o Ministério Público Federal (MPF), se a ocupação é irregular, a ligação também é.

Um dos pontos mais paradoxais da geografia humana de Fortaleza é que um segmento da parcela mais rica da população polui o meio ambiente com esgotos tanto quanto as populações de Aiuaba e Salitre, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são os municípios com pior índice em saneamento.

Pressão

"Há uma forte pressão no ecossistema",afirma o procurador do MPF Alexander Sales, em relação à zona costeira cearense. A região é caracterizada por significativa densidade demográfica, possuir equipamentos públicos e privados, abrigar ecossistemas importantes para a vida marinha e, por essas e outras questões, ser alvo de investimentos em turismo e moradias de veraneio. "É importante que cada Estado construa suas regras de proteção a partir das peculiaridades de seus ecossistemas", explicou o procurador, durante a aula inaugural do Curso de Especialização em Direito Ambiental na Universidade de Fortaleza (Unifor), onde é professor.

Desde que começou a questionar empreendimentos na zona costeira, na tentativa de entender suas viabilidades, e recomendar a não instalação onde havia "sérios riscos de danos ao homem e ao meio ambiente", Alexander tem sido taxado, por alguns, de ser contrário ao crescimento econômico do Ceará.

Por vezes, o critério econômico - notadamente a geração de emprego e renda - é apontado, em diversas petições jurídicas, de uma forma que, segundo o procurador, pretensamente foge ao Direito Constitucional. Trocando em miúdos, é como se o Ministério Público Federal fosse julgado por fazer recomendações à Justiça pelo cumprimento do que já está garantido na Constituição Federal.

As praias, por exemplo, são Áreas de Preservação Permanente (APPs) e, dessa forma, não devem sofrer ocupações. Não deveriam. Estariam, então, irregulares as barracas na Praia do Futuro? De acordo com a Constituição, sim, porque conforme a Lei Nº 7661, "as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado sempre livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressaltados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidos por legislação específica". A privatização desse tipo de espaço "seria" irregular. Mas, as barracas da Praia do Futuro estão, necessariamente, na praia? Outra vez, sim. De acordo com o artigo Nº 10, da mesma Lei, praia é toda "área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece outro ecossistema".

"Nenhuma capital litorânea brasileira tem a ocupação (irregular) de praia como tem em Fortaleza", afirma Alexander Sales. Mas há mais interpretações das leis do que podem supor a literatura jurídica, de modo que ainda não há horizontes sobre a situação legal das barracas existentes há anos na praia mais badalada de Fortaleza.

Cultura cearense

De acordo com a Associação de Empresários da Praia do Futuro, foi solicitada, pela Justiça Federal, uma perícia técnica para comprovar os limites de praia. "A perícia comprovou que 80% das barracas não fazem mais parte da praia em si. Estamos tentando provar que aquela área não é mais praia e sim área contínua de marinha. E, mesmo se for considerada praia, estamos tentando esclarecer que as barracas já fazem parte da cultura do povo cearense. São um patrimônio e também onde está a principal fonte de lazer do fortalezense e, em consequência, do turista", afirma Flávio Costa, vice-presidente da Associação.

Não é exclusividade de Fortaleza a problemática da ocupação da zona costeira, uma vez que mais da metade das pessoas no mundo reside a não mais que 200Km do litoral. De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), dois terços das praias brasileiras estariam reduzindo de tamanho e largura, em consequência de construções irregulares.

O procurador Alexander Sales, professor da Unifor, alerta que uma das grandes deficiências nos pedidos de licenciamento de obras em áreas da zona costeira cearense é ausência de estudos de alternativas locacionais dos empreendimentos. "Se a Lei é clara, não há pretensão política, no Direito Ambiental, em preservar a natureza se é a própria Constituição que a protege", conclui.
 
Fonte: Diário do Nordeste

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