Praia de Iracema (CE) vive um cenário de indefinição

As desapropriações aconteceram, mas a Prefeitura não pagou aos proprietários e os terrenos estão parados
Fotos: Waleska Santiago
Reduto de artistas, boêmios, acadêmicos e intelectuais, a Praia de Iracema perdeu a sua efervescência a partir dos anos de 1990. Mas a relevância do bairro para Fortaleza continua viva, apesar da indefinição tomar conta do local. Das 20 obras previstas para "revitalizar" e criar uma "nova Praia de Iracema", apenas três foram concluídas. São elas, o Estoril, o Instituto Cultural Iracema e o calçadão. Sendo que os dois equipamentos contam com a estrutura, mas não funcionam.

No Largo do Mincharia, a Confraria deveria ter sido reformada pela Prefeitura, mas a obra já dura 14 meses e agora caminha a passos lentos. O prazo inicial para conclusão era de quatro meses. O antigo boliche foi desapropriado, porém o terreno continua sem uso. O local abrigaria, segundo projeto, a Casa da Lusofonia, espaço para a realização de eventos e mostras sobre a Língua Portuguesa. Já o Estoril, polo gastronômico cultural, é um das poucas obras já finalizadas, mas está inativo

A prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, chegou a inaugurar a Praia de Iracema, mas as intervenções estão inconclusas. Todas foram iniciadas, é verdade, porém, o que é possível perceber no local é que falta "alguma coisa". Uma finalização.

O antigo boliche, que daria lugar ao Memorial do Forró, é um espaço em ruínas. O Cais Bar também aguarda para receber a Casa da Lusofonia. Ainda tem o Centro de Informações Turísticas, que não está finalizado. No Largo do Mincharia, a Confraria deveria ter sido reformada pela Prefeitura, mas a obra já dura 14 meses. O prazo inicial para conclusão era de quatro meses. As intervenções recomeçaram, porém, andam a passos lentos.

A Ponte Metálica está abandonada e desgastada pelo tempo. O Boulevard Almirante Tamandarés, que culmina como o Pavilhão Atlântico, também não está concluído. Para o presidente do movimento "Praia de Iracema. Reconstrução Já", o empresário Cláudio Ary, "é só querer fazer". Ele acredita ser possível a revitalização completa da Praia de Iracema, embora algumas obras tenham ficado para a próxima gestão. "A cidade quer a Praia de Iracema de volta", diz.

As desapropriações aconteceram, entretanto, a Prefeitura não pagou aos proprietários e os terrenos estão parados, segundo Cláudio Ary. As intervenções da Praia de Iracema receberam um impulso no ano passado, mas, desde dezembro de 2011, arrastam-se. Os operários retomaram os trabalhos há cerca de um mês.

A Praia de Iracema aguarda desde 2006 por sua revitalização, quando a prefeita assinou um protocolo de intenções com o Fórum Permanente em Defesa da Praia de Iracema, para promover melhorias no bairro. Somente dois anos depois da sua posse, Luizianne anunciou oficialmente um projeto estruturante para a região.

O administrador de empresas Fred Serra se queixa que as obras da Prefeitura se arrastam há 488 dias. "A prefeita não vai fazer mais nada. Tudo o que foi feito já está quebrado e pichado", reclama.

O arquiteto e urbanista, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Observatório das Metrópoles, Renato Pequeno, acredita que, antes de mais nada, falta planejamento. "Toda obra precisa de captação de recursos, organização do orçamento, projeto e licitação. Cada vez mais, as intervenções são terceirizadas. Isso faz com que a negociação seja maior, com custo mais elevado. É muita coisa para fazer em quatro anos", destaca.

O professor acrescenta que a cidade não tem cultura de planejamento. "As ruas de Fortaleza são descontínuas e as obras são feitas de forma pontual". Segundo Renato Pequeno, entra governo e sai governo e não se fala em planejamento urbano.

Para ele, a conclusão da Praia de Iracema se dará quando houver uma interligação com o Dragão do Mar, equipamento que, segundo o arquiteto, chamou para si as atenções. Esse é outro problema citado pelo professor: a falta de relação entre os projetos. "O Acquário não tem diálogo com a Praia de Iracema e nem com a Beira-Mar. São todos pontuais". O professor explica que isso acaba fazendo com que o foco se volte para projetos recém-inaugurados. "Hoje o Dragão do Mar está abandonado e as atenções estão voltadas para o Centro de Eventos", revela.

Fora isso, o problema da Praia de Iracema passa também pela falta de projetos voltados para a comunidade local. "É preciso pensar a cidade como um todo e não direcionar intervenções para turistas". Pequeno lembra da necessidade de uma Secretaria de Planejamento em Fortaleza.

Serviços

Apesar das indefinições, a Praia de Iracema parece estar tomando corpo, como acredita o administrador da Confraria do Mincharia, Carlos Aragão. Mas falta oferta de serviços. A corretora de imóveis Juliana Coelho reclama que quem trabalha no bairro não tem nenhum tipo de apoio. "Não temos onde comer. Quando o Mincharia está fechado não há outra opção", comenta. Outro problema é a ausência de assistência médica. "As pessoas passam mal aqui e não têm atendimento", informa Juliana.

A Coordenadoria de Projetos Especiais, Relações Institucionais e Internacionais (Cooperii) da Prefeitura Municipal de Fortaleza revela que a requalificação da orla, que compreende a reforma do calçadão, recuperação do entorno do Monumento Iracema Guardiã e o Espigão da Rui Barbosa; a engorda da João Cordeiro; o Boulevard Almirante Tamandaré; e o Pavilhão Atlântico foram concluídos. Já a urbanização do Pontal da João Cordeiro está em execução, com prazo de conclusão para o próximo mês.

As vias e passeios, o Centro de Informações Turísticas, a Casa da Lusofonia e o Memorial do Forró devem ficar para a próxima gestão.

Investimento

16 milhões de reais é o valor já captado pela Prefeitura de Fortaleza para terminar as obras da Praia de Iracema. No total, R$ 42 milhões foram alcançados

Bairro é referência cultural

A Praia de Iracema é uma referência para Fortaleza, assim como Copacabana é para o Rio de Janeiro. É o que considera o historiador e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Erick Assis de Araújo.

O professor destaca que o espaço cultuado por tantos não é de todas as épocas. "A gente só vai ter a cara da Praia de Iracema de hoje a partir dos anos 1930". Como revela Araújo, o Estoril teve uma referência importante na Segunda Guerra Mundial. "Lá, os americanos descansavam. Daí começou o uso do bairro como lazer e depois é que veio a especulação imobiliária".

O historiador destaca que a Praia de Iracema se caracteriza pelo aspecto bucólico da boemia. "O local se tornou ponto de encontro de intelectuais, acadêmicos, boêmios e artistas, com a presença de um grande número de estabelecimentos comerciais". Alguns acreditam que é possível resgatar a época áurea da Praia de Iracema.

No entanto, o historiador lembra que não se trata apenas de uma questão de estruturar o lugar, mas fazer com que as pessoas novamente tomem "gosto" pelo bairro e voltem a frequentá-lo. Para ele, a Prefeitura deu o ponto de partida ao iniciar o projeto de revitalização da Praia de Iracema. "Tudo tem que ser feito criteriosamente. A incompletude não é o mais relevante no processo. Não se trata de uma questão técnica. É preciso criar uma aura poética", finaliza. 
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com

Comentários

Mais visitados