Comunidades e prefeituras lutam contra avanço do mar no Ceará

Rômero - O comerciante Valbívio Garcia de Lima, de 41 anos, tenta, em vão, impedir que o mar avance sobre sua pequena barraca, no distrito de Parajuru, em Beberibe, litoral leste do Ceará. Cada dia e nova maré cheia o convencem de que sacos de areia pouco podem contra a força da natureza.

Quando seu pai construiu a barraca Estrela do Mar, em 1987, as ondas quebravam a 500 metros de distância de onde alcançam hoje. Em 25 anos, toda a faixa de área que separava os lotes de terreno da família do mar desapareceu. “É inacreditável para quem não vê”, diz Valbívio. Ele mesmo parece se espantar ainda diante da cena.

“Já colocamos cercas, sacos de areia, manilha de concreto e a maré levou tudo”, conta o comerciante à reportagem do iG. Há quatro anos, o fenômeno o fez recuar 60 metros seu estabelecimento, apenas adiando o pior.

Vizinho à barraca, a pousada de um casal austríaco teve o muro e parte de sua estrutura de lazer destruídos. A alguns metros, a luxuosa casa de veraneio de uma família precisou ser abandonada. Da propriedade, restaram apenas escombros.

No município de Icapuí, divisa com o Estado do Rio Grande do Norte, o cenário é semelhante ao enfrentado por Valbívio. Na Praia de Requenguela, comerciantes também agem por conta própria contra o vigor das águas do verde mar do litoral cearense. Contudo, as barreiras feitas de sacos de areia e estacas de madeira pouco ajudam e acabam estragando a beleza do lugar.

Os custos de quebra-mares para salvar essas faixas de praia não são condizentes com os valores dos imóveis atingidos. Para construir 100 metros desses obstáculos, a prefeitura estima que seja preciso investir um milhão de reais.

Causas

O estudo “Erosão e progradação do litoral Brasileiro”, divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2011, observa que esse fenômeno ocorre em todos os 17 Estados brasileiros banhados pelo Oceano Atlântico.

Esse atlas do litoral do País deixa de fora o alardeado aquecimento global como uma da causas do fenômeno. As interferências do homem modificando o curso natural de rios e as construções à beira-mar são os principais vilões. Soma-se a isso, a dinâmica natural do Oceano Atlântico que, com o passar do tempo, sofre alterações irreversíveis.

Ações do poder público


No Ceará, a erosão das orlas é um processo que se repete por praticamente todo litoral leste e parte do oeste. Em seus prognósticos mais pessimistas, alguns especialistas anunciam o fim dessas praias no prazo máximo de dez anos. Em cada cidade, prefeituras e as próprias comunidades lutam, cada qual a sua maneira, para evitar que esses prenúncios se concretizem.

Na capital Fortaleza, os espigões e as barreiras de pedras estão há anos por todo litoral. Para o geólogo Alexandre Medeiros de Carvalho, a técnica apenas empurra o problema para outro lugar.

“O espigão evita que a areia vá embora, aprisiona parte desses segmentos e a praia engorda. Mas, no outro lado, o mar vai escavar e vai faltar areia”, explica o pesquisador do Laboratório de Estudos do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em abril de 2011, a prefeitura de Cascavel decretou situação de emergência. Lá, a violência das ondas também destruiu barracas de praia e casas de veraneio.

No município de Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza, a prefeitura adotou uma estratégia diferente e, por hora, conseguiu recuperar a praia degradada do Icaraí. Foram construídos 1.420 metros da barreira, utilizando uma técnica de contenção chamada de bagwall, que lembra uma arquibancada.

Quando a onda atinge essa estrutura de concreto a energia do impacto é dissipada e o avanço do mar não é transferido. A técnica já deu certo em diversas praias dos Estados Unidos e foi trazida para o Brasil pelo Estado de Alagoas. A técnica promove a engorda natural da praia, ao passo que a barreira é coberta pela areia trazida pelo mar. A obra custou R$ 8 milhões e foi executada com recursos federais do Ministério da Integração Nacional.

Carvalho chama atenção para o alto custo desse tipo de intervenção, cujo resultado, as vezes, pode não ser o esperado. “Quando se tem um local muito ocupado, urbanizado, você não tem como liberar espaço, então tem que arrumar uma técnica para conter e fazer engorda da praia. Em um local não muito povoado, indenizar e retirar as propriedades custa bem mais barato”, pondera.

Fonte: Daniel Aderaldo, do iG

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