Brasil não pode esperar o tempo dos políticos para ratificar o Acordo de Paris
Antes de começar a refletir sobre o tema que trago hoje, quero compartilhar com os leitores um sentimento que não costuma ser muito bem visto entre os cristãos. Sim, senhores, ontem eu senti inveja, e das bravas, quando li que manifestantes, chamados de desordeiros, interromperam “brevemente” um debate no Parlamento sueco para protestar pela possível compra da empresa alemã Vattenfall, de carvão ativo (leia aqui, em inglês) . Eles esguicharam ketchup nos legisladores e gritavam que o carvão tinha que ficar no solo.Como resultado da ação dos manifestantes, o governo parou para pensar e revelou isso em entrevista.
nquanto isso, numa terra bem distante dali, as reivindicações dos brasileiros têm tido foco e metas que já deveriam estar, há muito, no escaninho das coisas resolvidas se aqueles que estão hoje no poder não estivessem lutando apenas por... se perpetuarem no poder. Educação virou gasto, saúde idem, pelas contas do governo interino. Mas, considerando que estamos numa democracia, e que é preciso dar força aos menos favorecidos, esses setores não deveriam estar no nicho de investimento? Num cenário como esse, com debates cruciais e ainda tão primários,imagino que alguém que tente botar em pauta uma questão como “investimento em fontes de energia que não ajudem a aquecer ainda mais o planeta e a poluir ainda mais o ar das grandes cidades” será tido como insano. Mas, só como informação: um relatório apresentado segunda-feira (23) na reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unea-2), revelou que 12,6 milhões de pessoas morrem por ano por conta da poluição e da degradação do meio ambiente. São mais mortes do que as provocadas por conflitos armados.
Mas, vida que segue. Perdoem o desabafo e vamos às informações: ainda está aberto para assinaturas -- e ficará até o dia 21 de abril de 2017 -- o Acordo conseguido em Paris pelos 197 líderes mundiais para baixar emissões de carbono e conseguir, assim, estancar o progressivo aquecimento da Terra. Que, pelo menos, ela se aqueça “apenas” 1,5 grau até o fim do século, é a meta. Acima disso, as consequências para a humanidade serão desastrosas.
No dia em que foi aberto para as assinaturas, 177 países correram a Nova York, acatando a convocação feita pelo secretário Ban Ki-Moon, da ONU. Mas, só a assinatura não basta. É preciso ratificar o acordo. E só depois que 55 países que emitem 55% mais gases poluentes tiverem avançado nesse processo de ratificação é que se poderá considerar efetivo o Acordo Climático.Ambientalistas lembram que o Protocolo de Quioto, assinado em 1997 e válido até 2005, que previa metas de redução de gases do efeito estufa para 37 países mais desenvolvidos, levou sete anos para ser ratificado. Por isso, perdeu força.
Até agora, segundo o mapa Climate Data Explorer, organizado pelo World Resources Institute (WRI), só 17 países, dos 177 que assinaram, ratificaram o Acordo de Paris. Não por acaso, a maior parte são nações-ilha que estão dramaticamente ameaçadas de desaparecer com o avanço do mar que, segundo estudiosos, já está acontecendo.
Entre esses 17 países está, por exemplo, Nauru, com 9.488 habitantes, o menor país do Pacífico Sul e o terceiro menor, em área, do mundo. Tuvalu, Kiribati, Maurício, Maldivas, Seicheles, Fiji e Belize também estão entre os que já ratificaram o Acordo de Paris.
Em novembro vai ter outra Conferência das Partes, a de número 22, que desta vez vai acontecer em Marrakesh, a maior cidade do país árabe africano Marrocos. Vai ser uma oportunidade para que mais países se comprometam com a tentativa de baixar as emissões, tornando as metas mais transparentes. Em entrevista ao jornal “The Guardian” em janeiro deste ano, o ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, que foi quem conduziu as negociações para o acordo conseguido em Paris, disse que ele mesmo pediu ao Parlamento Europeu que os deputados deem um apoio contínuo ao processo.
Está acontecendo agora, em Bonn, na Alemanha, mais uma reunião preparatória para a COP de Marrocos, para acertar detalhes. E Fabius alerta para os riscos de essas reuniões não serem levadas a sério como devem ser.
“O aquecimento global pode provocar riscos enormes, o que poderia levar a um conflito generalizado entre os países. Isso significa que o Acordo de Paris é, realmente, sobre paz, não só para gerações futuras. Estaremos vivendo num mundo caótico e perigoso se não houver acordo entre as nações para baixar as emissões de gases poluentes”, disse ele.
Bangladesh já vive na pele esse problema, e não é de hoje.Tempestades violentas e ciclones são comuns na região, mas estão ficando mais fortes e os impactos que provocam estão sendo cada vez mais difíceis. No dia 21 de maio, 21 pessoas morreram e 500 mil tiveram que ser removidas para os 3,5 mil abrigos do país por conta do ciclone Roanu, que golpeou a costa do país. A tempestade, segundo os informes das agências, foi uma das mais fortes que o país já sofreu. Navios e ferries foram proibidos de circular, assim como pequenos barcos de pesca tiveram que suspender suas atividades. Voos foram suspensos no aeroporto de Chittagong.
Para enfrentar esses desastres frequentes, moradores de Bangladesh vêm se organizando. Com ajuda de organizações socioambientais e do governo, agricultores aprenderam, por exemplo, a cultivar legumes em malhas de bambu cheios de terra que podem flutuar quando ocorre uma inundação. Essa é apenas uma das muitas alternativas que pessoas que moram em locais vulneráveis têm que adotar para sobreviver.
Esse é o mundo real, longe dos escritórios aclimatados onde as decisões são tomadas para tentar estancar, ou diminuir, o progresso do aquecimento. Segundo informou Carlos Ritl, ambientalista e secretário-executivo do Observatório do Clima, ao site da Agência Brasil, a Terra está em uma trajetória de aumento da temperatura de 3 graus, mas os países vão ter informações mais do que suficientes a respeito dos avanços (ou não) das políticas climáticas daqui a dois anos, quando o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) lançar seu novo relatório.
Para Ritl, o Brasil (que ainda não ratificou o acordo), tem que se posicionar diante das questões climáticas, mesmo com a crise política que parece postergar qualquer outra decisão:
“Não dá para aguardar o timing político para que se discuta o mundo real”, alertou ele.
Foto: Equipe de resgate procura por sobreviventes após passagem do ciclone Roanu, em Bangladesh. Crédito: AFP
Fonte: G1
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