Mar em fúria
Um estudo da Poli-USP atesta: o nível do mar e a intensidade das ondas aumentaram em Santos Michella Guijt Um estudo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) demonstra que tanto o nível do mar como a intensidade das ondas aumentaram em Santos nas últimas décadas. Os dados foram apresentados na Assembleia Geral da União Europeia de Geociências, realizada em abril, em Viena (Áustria). Segundo a pesquisa, entre 1976 e 2007 (ano em que o único marégrafo do Porto de Santos foi extinto), o nível médio da maré subiu cerca de 4 centímetros por década na Cidade. O avanço resulta do aquecimento global e das mudanças climáticas. A conclusão do estudo remete a uma previsão alarmante para a orla santista. “Se esta tendência se mantiver daqui a 100 anos o nível médio do mar terá um aumento médio de 40 centímetros”, calcula o professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Poli-USP, Paolo Alfredini. De acordo com ele, que coordenou o estudo, além da maré avançar em parte da malha urbana, o Porto de Santos também pode ser afetado. Com o aumento no nível do mar em 40 centímetros, a folga de cais (distância de segurança entre a altura da maré máxima e a altura do cais) cairia nos mais antigos (construídos há mais de um século) de 1,50 metro para menos de 1 metro, até o final deste século. “Tal condição poderia colocar em risco, dentre outros fatores, as operações portuárias, porque a passagem dos navios gera ondas que, por sua vez, cobririam a folga de cais”, aponta o professor Alfredini. Ondas O estudo também projeta um aumento de 100% na energia produzida pelas ondas. A conclusão parte do seguinte resultado: a Poli-USP constatou um aumento médio de 20% na altura das ondas entre 1957 e 2002, em Santos. Alfredini explica que para calcular o aumento da energia produzida pelas ondas é preciso elevar ao quadrado o acréscimo na altura. “A projeção sinaliza um cenário perigoso, onde os santistas conviveriam com constantes ressacas, com ondas de 3,5 metros de altura, como a ocorrida em setembro de 2009, quando o mar chegou ao calçadão da praia”, afirma. A Poli-USP também aferiu o avanço das ressacas: entre 1958 e 1992, o Município registrou dez ressacas com ondas de 3,5 metros de altura. Já entre 1993 e 2002, ou seja, em um período de apenas nove anos, Santos alcançou as mesmas dez ressacas com ondas de 3,5 metros. Riscos Com a elevação da altura e da energia das ondas, tanto a orla como o Porto seriam afetados. “A praia teria boa parte da faixa de areia suprimida e o canal do estuário (ponto de entrada dos navios) receberia bem mais que o dobro de sedimentos trazidos pelas ondas mais fortes”, alerta Alfredini. O estudo também aponta outra consequência do avanço do mar: o desaparecimento de 50% dos manguezais na região. “As áreas de mangue são rodeadas pelo estuário, como são os manguezais em Cubatão e Bertioga. Com o aumento do nível do mar, pelo menos metade dessas áreas seria engolida”, atesta o autor do estudo. Soluções O estudo indica a construção de molhes ao longo do canal do estuário como solução. Trata-se de uma estrutura costeira, semelhante a um pontão, que se estende em direção ao oceano. A obra é feita de rochas ou com blocos de concreto introduzidos no mar, de forma que fiquem emersos da superfície. Segundo Alfredini, os molhes protegeriam tanto o Porto como as praias. “Essas estruturas reduzem a formação de bancos de areia nos canais por onde os navios acessam o cais. Toda a areia represada pelo molhe seria retida nas praias”, explica. O professor destaca o exemplo do cais de Rio Grande (RS), onde dois molhes de 5,2 quilômetros de extensão foram construídos, entre 1911 e 1919. “Estudos mostram que, além de impedir a sedimentação no fundo do canal daquele estuário, o molhe alongou em cerca de 300 metros a faixa de areia que margeia a cidade”. No pior cenário, ruas seriam inundadas Os resultados obtidos pela Poli-USP atestam a tendência do avanço do mar na Cidade apontada em outro estudo, coordenado pelo engenheiro Gilberto Berzin, em 2009. “A pesquisa (da Poli-USP) comprova a previsão do aumento do nível do mar em 40 centímetros, que praticamente atinge um dos cenários que apontamos”, ressalta Berzin. O estudo coordenado por ele simula três cenários. Um deles mostra o avanço do mar em 50 centímetros. Nessas condições, segundo a pesquisa, nas marés mais altas a faixa da praia de Santos ficaria encoberta pela água e áreas da Ponta da Praia seriam alagadas. As zonas Noroeste e Alemoa seriam também atingidas. Já no segundo cenário, com mais 1 metro de avanço, a pesquisa indica que toda a faixa da areia da praia e grande parte dos jardins também seriam alagadas a cada maré mais alta. Nessa previsão, o estudo ainda aponta que pequenas áreas junto à praia seriam alagadas no bairro do Gonzaga (nas primeiras quadras junto ao Canal 3) e entre os Canais 4 a 6. Já no terceiro cenário, com 1,50 metro, a pesquisa simula o pior quadro: grandes áreas de vários bairros seriam inundados da altas marés. O Porto e os manguezais também seriam prejudicados. Berzin aponta como solução o aumento das muretas dos canais. “Para preservar o Gonzaga, por exemplo, seria necessário aumentar em 1 metro a altura das muretas do Canal 3, nas proximidades da orla”, conclui. Comportas acima do dique na ZN Segundo o secretário municipal de Desenvolvimento e Assuntos Estratégicos, Márcio Antonio Rodrigues de Lara, o programa Santos Novos Tempos prevê obras que evitarão o avanço da maré na Zona Noroeste (ZN). “Pensando no presente e já no futuro, as partes superiores das novas comportas dos canais (da ZN) serão projetadas com 60 centímetros acima da crista do dique da Vila Gilda, além de serem dotadas de novo sistema de abertura e fechamento”, destaca Lara. O programa ainda prevê a implantação de estações de bombeamento, galerias de escoamento, obras de canalização e um piscinão na ZN. Já para as zonas Intermediária e da Orla, não há projetos para a contenção da maré. “São áreas que a Administração acompanha atentamente e realiza obras de emergenciais, como o enrocamento adicional (colocação de pedras) junto ao calçadão da Ponta da Praia”, alega Lara. De acordo com a assessoria de imprensa da Codesp, a Administração Portuária descarta a construção de molhes porque o cais santista encontra-se abrigado em uma área estuarina, de águas calmas. Sobre a previsão do aumento da sedimentação no canal do estuário, o órgão de comunicação informa que a Codesp já realiza dragagens de manutenção durante o inverno, quando verifica-se o aumento do volume de sendimentos trazidos pelas ondas mais intensas.
Fonte: A Tribuna
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