ENTREVISTA: "Portugal será um dos países mais afetados em consequência das alterações "climáticas"". diz António Guerner Dias


António Guerner Dias
Professor Auxiliar do Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto




1. Em termos gerais, o que se deve entender por mudança climática?

Uma mudança climática é algo que se verifica no estado global do clima e que, para ser estatisticamente válida, deve resultar de alterações que se manifestam nas variáveis climáticas (precipitação, temperatura, humidade, etc.) com uma tendência que contínua durante um período de pelo menos 30 anos. Falar de “tempo” e de clima são dois conceitos completamente distintos. Quando dizemos que amanhã vai chover, ou amanhã a temperatura vai chegar aos 30ºC, estamos a falar de tempo. Contudo, se dissermos que o clima no Algarve é do tipo mediterrâneo (que se caracteriza por apresentar determinados valores médios de temperatura ou de precipitação) estamos efetivamente a falar de clima. O tempo e o clima apresentam escalas temporais e espaciais de análise que são completamente diferentes. O tempo é espacialmente local, ou quando muito regional e, temporalmente é imediato ou para um dia ou semana depois. O clima apresenta uma escala espacial que é global ou continental e, temporalmente, deve ser representado em períodos de mais de 30 anos (podendo ser secular, milenar ou ainda maior). Por outro lado, deve ser referido que uma mudança climática tanto pode corresponder a um período de aquecimento global (o que a Terra, provavelmente, está a sentir/registar neste momento), como a um período de arrefecimento global (como o que a Terra registou entre meados do séc. XVI até meados do séc. XIX e a que se convencionou chamar a Pequena Idade do Gelo (PIG)).

2. Que consequências percetíveis se devem à mudança climática no nosso país?

Um dos efeitos mais visíveis das alterações climáticas é, sem dúvida, a subida do nível médio do mar (NMM). Embora este seja também um efeito a nível global, ele afetará em particular as regiões e os países com zonas litorais, costas, muito extensas.Como se sabe, Portugal é, entre os países europeus, um dos que possui uma das maiores linha de costa e, se a subida do NMM afeta em particular as zonas costeiras, Portugal será, sem dúvida, um dos países mais afetados em consequência das alterações climáticas. Esta afetação será grave, não só do ponto de vista da alteração dos ecossistemas litorais, mas também do ponto de vista social, uma vez que cerca de 75% da população portuguesa vive no litoral.Refira-se, ainda, que estando a população junto ao litoral, sendo esta afetada, também será afetada, seguramente, a economia, quer as atividades económicas que dependem do litoral (exploração de recursos naturais tais como a pesca, atividade turística, etc.), quer as atividades económicas de grande escala, como seja a exploração da Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa. Como se sabe, a ZEE de Portugal é a maior dos países europeus.

Mas, será que tudo é assim tão negativo? Podemos considerar que nem tudo será assim tão negativo. Se admitirmos que, num futuro a médio ou a longo prazo, passaremos a ter, na costa norte, um clima (temperatura atmosférica e temperatura da água) semelhantes ao que hoje se verifica no Algarve, do ponto de vista de ocupação de praias, atração turística, etc. tal pode ser um aspeto positivo. E o que acontecerá no Algarve? Será que passará a ter um clima semelhante ao das Caraíbas? Ou ao das praias brasileiras mais procuradas? Na minha opinião, continuo com sérias dúvidas de que tal venha a acontecer mas, por mais pequenas que sejam as alterações, do ponto de vista meramente relacionado com as atividades turísticas, pode ser que estas alterações favorecem o litoral português. Obviamente que, analisando outros aspetos da atividade de um país (produção agrícola, ecossistemas, pescas, disponibilidade de água, etc.), os efeitos das mudanças climáticas não serão sempre positivos.

3. A seguirmos este rumo, quais as suas projeções sobre este tema para daqui a 10 anos?

Penso que não é fácil fazer projeções para daqui a 10 anos. Se pensarmos um pouco, verificámos que o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC na sigla em inglês), criado no seio da ONU, apareceu em 1988, ou seja, há quase 30 anos atrás. Neste período já se realizaram várias cimeiras sobre o clima, já se tentou impor inúmeras medidas de mitigação mas, na realidade, a comunidade mundial parece estar pouco sensibilizada para responder a estes problemas. Por outro lado, a mudança climática que se está a fazer sentir, parece permitir à espécie humana, pelo menos nas latitudes dos países mais desenvolvidos, condições de adaptação que lhes permitem enfrentar a mudança climática sem grandes preocupações. Na realidade, quando falamos, por exemplo, do aquecimento global, em termos médios anuais, ele é da ordem de algumas centésimas de grau, valor que é claramente pequeno para que se faça sentir no corpo humano. Assim, para daqui a 10 anos, falando apenas de temperatura, ela poderá ser mais elevada do que é hoje em cerca de 0,5ºC a 0,8ºC e, como facilmente se perceberá, não é esta variação que trará preocupações acrescidas ao comum dos mortais.

Falando, por exemplo, da variação do nível médio do mar (NMM), evidentemente que as zonas costeiras que todos os invernos são fustigadas pelo mar, continuarão a registar episódios regulares de avanço do mar e aumento da erosão costeira. Mas, também aqui, o valor médio anual de subida do NMM é da ordem de poucos milímetros e, por esta razão, as preocupações continuarão a ser fortemente localizadas nas áreas mais problemáticas.Para daqui a 10 anos, falando apenas do NMM, ele poderá ser mais elevado do que é hoje em cerca de um centímetro e, da mesma forma, também não é esta variação que trará preocupações acrescidas ao comum dos mortais.

4. Temos consciência daquilo que verdadeiramente representa a mudança climática?

Na realidade, parece-me que o vulgar cidadão, ou mesmo os cidadãos que assumem responsabilidades políticas, não estão conscientes daquilo que pode representar a mudança climática. Qual a razão para que muitas das pedidas propostas e assinadas pela maior parte dos governos tenham tanta dificuldade em ser implementadas? Provavelmente porque, se por um lado implicam investimentos, por outro lado, quem nos governa pode não estar ainda ciente do problema.

Veja-se, ainda, o recente inquérito realizado por um órgão de comunicação social aos seus leitores, onde se questionava quais eram, ou quais deveriam ser, os problemas que deveriam merecer uma ação prioritária por parte da ONU. Eram dez os problemas listados e, cada leitor, apenas deveria ordená-los do mais importante para o menos importante. Acontece que, das dezenas de milhares de respostas recebidas, as alterações climáticas ficaram em 10ºlugar. Obviamente que a fome, as guerras constantes, o acesso a água potável, as doenças, o ensino, a melhoria global das condições de vida, também para mim, são problemas que necessitam de uma atenção mais imediata e assertiva mas, mesmo assim, deverão as alterações climáticas ser tratadas com um problema atual da humanidade.

5. Que pequenas ações diárias, realizadas pela população em geral, podem apoiar esta causa?

Qualquer pequena ação que contribua para mitigar as alterações climáticas será, também, uma medida que seguramente contribuirá para melhorar o estado geral do ambiente em determinado local e, assim, também permitirá uma melhoria nas condições de vida das populações que aí habitam. Parece que as ações quando realizadas localmente, ou por apenas uma pessoa/família, não são capazes de surtir qualquer efeito, contudo devemos pensar sempre em termos globais mas agir em termos locais.

As principais pequenas ações diárias que muitos de nós podem tomar, terão efeitos pequenos mas, quantos mais as adotarem, seguramente que o efeito será cada vez maior. Frases como,por exemplo: i) preferir os transportes públicos; ii) andar a pé; iii) preferir produtos de culturas biológicas; iv) comprar produtos amigos do ambiente; v) reduzir a produção de resíduos; vi) separar corretamente os resíduos em nossa casa; vii) plantar uma árvore por ano; viii) tornar-se membro ativo de uma ONG ambiental; entre tantas outras, serão ações que qualquer um pode adotar, contribuindo para uma melhoria geral do ambiente e, também, mitigando as causas das alterações climáticas.

Contudo, parece-me que apenas por iniciativa do cidadão comum, mesmo após campanhas de sensibilização, nem sempre as medidas propostas são alvo de forma adesão. Possivelmente, por exemplo, para preferirmos os transportes públicos os combustíveis deveriam aumentar de preço. Esta é, sem dúvida, uma proposta politicamente pouco correta mas, é, por outro lado, uma forma evidente de mostrar que os governos estarão verdadeiramente preocupados com o problema das emissões de CO2.

6. Qual é o papel da indústria /governo na luta contra a mudança climática?

No nosso país, e na maior parte dos países mundiais, a atuação tem sido, sobretudo, ao nível da mitigação das causas. Em muitos governos considera-se que as alterações climáticas são reais, mas, como as suas consequências ainda não se sentem de forma dramática, acaba por ser mais fácil propor medidas de mitigação das causas.

No momento em que nos encontramos, tendo em conta a forma como o clima evoluiu nas últimas duas ou três décadas, para lá de se continuar a propor medidas de mitigação (de efeito mais a médio ou longo prazo), deve-se apostar, também, nas medidas de adaptação. Ao nível do governo, ou das indústrias, medidas como a promoção e uso de energias mais amigas do ambiente, a adoção de comportamentos mais ecológicos ou a produção e beneficiação de artigos com selo verde, acabam por serem interpretados como resultado de uma atitude mais “cool” e, consequentemente, melhor aceite pela opinião pública.

A adaptação far-se-á de forma mais lenta e ao ritmo das necessidades. O Homem é um animal com grande capacidade de adaptação e, à medida que as alterações climáticas a isso o obriguem, ele irá adaptar-se da forma que lhe for mais fácil.

As medidas mais importantes tomadas em Portugal que, como disse, podem ser consideradas medidas de mitigação, são medidas que pretendem atuar ao nível das emissões de CO2. Neste momento Portugal, podendo melhorar ainda mais, já implementou algumas medidas de elevado efeito prático, das quais poderia destacar duas: i) a aposta claríssima nas energias renováveis; como se sabe, nos anosmais recentes (2014 ou 2015), quase 80% da eletricidade consumida em Portugal foi proveniente de fontes renováveis, das quais a eólica deu um contributo de aproximadamente 50%; esta produção de eletricidade representa uma diminuição nas emissões de CO2 (fundamentalmente da oriunda das centrais termoelétricas a carvão) que é muito significativa; e ii) a aposta na diminuição da produção de resíduos e em diversas formas de valorização; a eliminação de resíduos, em vez da sua valorização, é um processo potencialmente emissor de gases com efeito de estufa; ao apostar na sua redução e formas de valorização, estamos a contribuir para mitigar algumas das causas das alterações climáticas.

Fonte: Universia Portugal | noticias.universia.pt

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