Importância do conhecimento sobre a morfodinâmica estuarina e costeira para a gestão do litoral

As zonas costeiras e estuarinas constituem sistemas dinâmicos complexos cuja evolução morfológica resulta da ação combinada de vários agentes naturais (como as ondas, as correntes de maré, o abastecimento fluvial e as variações do nível médio do mar) e de impactos resultantes das actividades antrópicas (como a alteração da fisiografia costeira e a modificação dos balanços sedimentares). Compreender a morfodinâmica de praias ou de estuários continua a ser um desafio para os investigadores devido à complexidade própria dos processos atuantes, aos efeitos de retroatividade (feedback) entre os mesmos e às diversas escalas espaciais e temporais de resposta.
As intervenções humanas, diretas e indiretas, nos sistemas costeiros e estuarinos têm como consequência que estes se tornem cada vez mais vulneráveis à ação dos agentes naturais e dos resultantes das próprias ações antrópicas. A erosão costeira e consequente recuo da linha de costa, a migração de embocaduras, o assoreamento de estuários e lagunas, e as alterações na qualidade ambiental são exemplos de fenómenos associados à morfodinâmica dos sistemas costeiros que, com frequência, geram impactes socioeconómicos muito significativos. Em vários casos, devido às ações aludidas, a resiliência dos sistemas foi largamente ultrapassada, com os graves prejuízos inerentes, tanto para o Ambiente como para o Homem. Em muitos trechos costeiros, na decorrência de modificações ambientais induzidas por intervenções antrópicas, os limites de explorabilidade sustentável foram já excedidos. Referem-se, a título meramente exemplificativo, o colapso de algumas atividades piscatórias devido a alterações do substrato, a redução de áreas de nursery e a perda de rentabilidade de zonas balneares em consequência da grande diminuição da área de praia útil e/ou da completa artificialização da paisagem litoral.
Novos desafios se colocam atualmente, não só à comunidade científica, mas, essencialmente, aos responsáveis pelo planeamento e gestão das zonas costeiras, decorrentes dos impactos das alterações climáticas em curso. A aceleração da subida do nível médio do mar, a variação da frequência e intensidade dos temporais, e a alteração dos regimes de ventos e de precipitação afetarão de modo diferenciado aqueles sistemas, com consequências ainda não totalmente quantificadas nem cabalmente percebidas. As projeções apresentadas pelo Intergovernmental Panel on Climate Change apontam para que as zonas costeiras húmidas sejam das mais afetadas pelas alterações climáticas.
A importância socioeconómica das zonas costeiras e estuarinas e o seu elevado valor ambiental, justificam o investimento na melhoria do conhecimento do comportamento hidro-sedimentar destes sistemas e no desenvolvimento e aperfeiçoamento de metodologias de análise e previsão da sua evolução. Só através de uma base científica e técnica sólida é possível fornecer aos decisores ferramentas adequadas que suportem medidas de gestão integrada destas zonas.
A gestão costeira é actividade difícil e complexa, que só consegue ser eficaz integrando abordagens profundamente interdisciplinares, tendencialmente transdisciplinares. Neste contexto, a morfodinâmica costeira constitui uma base essencial cujos resultados têm que ser, obrigatoriamente, integrados nas outras múltiplas componentes (e.g., biologia, economia, biogeoquímica, sociologia, engenharia, antropologia cultural) importantes na gestão costeira.
A exemplo do que vem ocorrendo em todo o mundo, realizou-se este ano, em Lisboa (3 e 4 de Fevereiro), a conferência sobre Morfodinâmica Estuarina e Costeira MEC2011, que serviu de mote para este número temático da Revista de Gestão Costeira Integrada / Journal of Integrated Coastal Zone Management. A resposta da comunidade científica a este repto traduziu-se na submissão de mais de duas dezenas de manuscritos provenientes do Brasil, do Chile, dos Estados Unidos da América, de Espanha, do México, e de Portugal.
Este número agrega nove artigos que constituem uma contribuição relevante no domínio da morfodinâmica costeira e estuarina. Neles abordam-se assuntos diversificados, mas todos importantes para propiciar uma gestão costeira cientificamente mais suportada. Alguns outros artigos sobre este tema serão publicados nos próximos números desta revista. A maioria dos artigos resulta de abordagens interdisciplinares, que recorrem a grande diversidade de ferramentas de análise e de previsão, incluindo a aquisição de dados in situ, a aplicação de formulações analíticas, bem como a modelação, quer experimental, quer numérica. Estes artigos cobrem diferentes tipos de sistemas (lagunas costeiras, praias, estuários, ilhas barreira, plataforma continental), distribuídos por várias zonas da costa de Portugal (Lagoa de S. André; praia da Amoreira; Vale do Lobo), do Brasil (Ilha de Fernando de Noronha, PE; Rio Grande, RE; Ceará, Rio de Janeiro, Cabo Frio e Praia das Tartarugas, RJ) e dos Estados Unidos da América (baía de Delaware, DE).
A diversidade de aspectos contemplados nos artigos deste número expressa bem a heterogeneidade e complexidade da morfodinâmica das zonas costeiras: variabilidade das correntes na plataforma interna (Costa & Möller); caracterização da agitação marítima (Capitão & Fortes); escoamento oscilatório em praias com barra (Abreu et al.); evolução de áreas dragadas (Rosa et al.); processos morfodinâmicos em praias insulares (Manso et al.); abertura e fecho de embocaduras artificiais (Nahon et al.); e processos de erosão costeira (Muehe; Castro et al.). A análise da evolução do nível do mar durante o Holocénico e suas possíveis implicações na amplitude de maré (Leorri et al.) é um exemplo da necessidade de, por vezes, se recorrer à história geológica recente para melhor entender os processos atuais.
Como reflexão final, salienta-se que grande parte dos trabalhos apresentados refletem a necessidade premente de uma colaboração mais eficaz entre a comunidade científica e técnica e os decisores, no sentido de se encontrarem formas mais sustentadas de planeamento e gestão do ambiente costeiro.

J. A. Dias@, 1, Paula Freire2, Conceição Freitas3, Antonio Klein4,
Paulo Silva5

@ - Autor correspondente: rgci.editor@gmail.com
1 - Executive Editor; CIMA / Universidade do Algarve
2 - Inivited Editor; Laboratório Nacional de Engenharia Civil
3 - Inivited Editor; Universidade de Lisboa
4 - Inivited Editor; Universidade Federal de Santa Catarina
5 - Inivited Editor; Universidade de Aveiro 

Comentários

Anônimo disse…
Parabéns pelo trabalho!
também desenvolvo trabalho em área de estuario (Orla da Cidade de Macapá, Amapá, Brasil) na foz do rio Amazonas!
Preciso muito de materiais desta área!
meu e-mail é andrebure@hotmail.com
Obrigado!

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