Simplesmente engordar praia não resolve os problemas de erosão costeira', explica especialista sobre Balneário Camboriú

 

Menos de dois anos após conclusão de alargamento da praia, mar voltou a avançar e 'engoliu' 70 metros da areia; Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) cita necessidade de recife artificial


Por Lucas Altino

Erosão aconteceu no Molhe da Barra Sul, na Praia Grande de Balneário Camboriú Secom/Balneário Camboriú

A perda de 70 metros de faixa de areia mesmo após uma longa obra de engordamento da praia em Balneário Camboriú (SC) ilustra como o problema que já afetou 15% do litoral brasileiro não será resolvido de forma simples. Segundo o ecólogo marinho e professor de oceanografia da UFSC, Paulo Horta, o projeto de Camboriú deveria ter sido acompanhado de outros estudos e medidas, como instalação de recifes artificiais para contenção da ação erosiva das ondas e aumento da biodiversidade.

— Sem o devido acompanhamento, estudos e abordagens adequadas, simplesmente engordar praia não resolve os problemas de erosão costeira. Na melhor das hipóteses vai só ganhar tempo, mas precisamos discutir as causas do problema — afirmou Horta que considera o engordamento como uma ação de "tampar o sol com a peneira". — É importante que a perda de 70 metros de areia seja motivo de grande reflexão, porque se dedicou uma quantidade extraordinária de recursos, mas em pouco tempo já houve recuo bastante grande da faixa de areia. Não é um problema de solução simples, mas de solução complexa.

Horta explica que a intensificação das erosões nas praias brasileiras, que atingem de forma relevante o litoral catarinense — a Praia Central de Balneário Camboriú, por exemplo, estava com uma faixa de areia de apenas 25 metros antes da obra — é o resultado da combinação de "estressores" locais e globais. Os fatores locais vêm das urbanizações das costas, com novos edifícios e construções de barragens, dragagens de sedimentos e outras ações que impedem o transporte de sedimentos, o que deixa a praia "passando fome".

— Estamos barrando sedimentos para construir prédios — resume Horta.Já os "estressores globais" são as questões de crise climática, que resultam na elevação do nível do mar e intensificação de eventos extremos. Um cenário que coloca cidades costeiras do mundo sob alerta. Por causa dessa combinação, Horta diz que projetos de renaturalização das praias deveriam receber uma "abordagem mais complexa", com maior discussão na sociedade sobre a crise climática e ambiental.

— Se impõe a necessidade de restaurar a saúde das regiões costeiras. Para isso, precisamos restaurar a saúde dos ecossistemas dessas regiões, pensando nos sistemas recifais, bancos de gramas marinhas e marismas. Possibilidades que precisam ser pensadas como aliados das intervenções de engordamento da praia. É importante que as obras de mitigação sejam acompanhadas de modelagens e estudos robustos que indiquem melhores caminhos — afirmou Horta.


Discussão complexa e necessária


O professor acredita que a construção de um recife artificial poderia ser uma solução mais eficaz para Balneário Camboriú. Ainda que não fosse uma solução definitiva, ao menos garantiria mais tempo para uma discussão "complexa e necessária sobre os destinos da região costeira".

— Se feito com materiais específicos, esses recifes são estruturas que podem conter ação erosiva das ondas, absorver carbono, agregar vida e formar um sistema mais rico do ponto de vista da biodiversidade e dos processos hidrodinâmicos — explicou o especialista, destacando o estudo do Mapbiomas, que revelou que o Brasil já perdeu 15% de suas praias e dunas desde 1985. — Em toda costa há áreas de erosão. Camboriú é um exemplo importante, porque se consolidou como área de erosão e agora se gastou muitos milhões para um projeto de vida útil curta e que tira o foco das questões centrais sobre ambientes costeiros saudáveis.


Prefeitura diz que problema era previsto


Lançado em 2021, o projeto de engordamento da Praia Central de Balneário Camboriú foi orçado em R$68 milhões. Nesta semana, menos de duas semanas após a conclusão das intervenções, foi constatado que na Barra Sul, um dos extremos da praia, o mar já havia avançado 70 metros sobre a areia, praticamente retomando tudo o que foi alargado.

Segundo a prefeitura de Balneário Camboriú, essa ação do mar já era prevista, por causa da "dinâmica" do mar. Por isso, uma empresa já foi contratada para realizar as contenções no local, num projeto de R$3 milhões. O objetivo é colocar tubos geotêxteis perto da margem da praia para impedir o avanço da água

A erosão aconteceu em uma área de cerca de 200 metros, no final da praia, na Barra Sul. Esse trecho recebeu um alargamento maior do que o restante da praia, justamente por causa desse risco: enquanto a Praia Central teve sua faixa de areia aumentada de 25 para 70 metros, a faixa na Barra Sul chegou a 180 metros. Agora, está com 110 metros, após o avanço do mar nas últimas semanas.


Perda de 15% de praias e dunas


Segundo levantamento do MapBiomas, no período entre 1985 e 2021, o Brasil perdeu 15% de suas praias e dunas, diante do avanço das cidades sobre o litoral. Por isso, uma das consequências vistas no país é a proliferação de obras de proteção costeira.

Os projetos avançam à medida que cientistas alertam para os efeitos das mudanças climáticas. Projetos de alargamento de areia já foram feitos, por exemplo, na Praia de Camburi, em Vitória (ES), Praia de Canavieiras (SC) Praia Central de Balneário Piçarras (SC), Praia de Jaboatão dos Guararapes (PE), Praia dos Diários e Praia do Náutico (CE).

Um exemplo inverso é João Pessoa, na Paraíba, considerado uma referência ambiental por ter, ao longo dos anos, preservado suas características originais e suas dunas, o que a livrou de intervenções mais drásticas.


FONTE: O GLOBO


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