Até quando João Pessoa vai assistir impassível seu mais belo cartão postal ser destruído?
por Francisco Jácome Sarmento
Foto 1: Vista do trecho final da obra da PMJP: rochas com aproximadamente 1,5 metro de diâmetro.
Em 27 de julho último, publiquei no “Blog do Rubão” um artigo intitulado “Afinal, o que está acontecendo na praia do Cabo Branco?”, denunciando e explicando pela enésima vez o processo de destruição da enseada do Cabo Branco, consequência direta da obra de suposta proteção da Falésia homônima, em execução pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP).
No referido artigo, alertei que a interrupção do fluxo de sedimentos (areia) que alimenta a enseada do Cabo Branco, provocada pela construção municipal de uma barreira formada por centenas de pedras graníticas (diâmetro médio de 1,5 metros, pesando individualmente cerca de 2 toneladas, como se vê na Foto 1, acima), sobrepostas ao longo do sopé da Falésia, iria agravar progressivamente o processo erosivo denunciado por mim e outros moradores, ainda no final de junho do corrente ano.
Naquele texto e, verbalmente, em 21 de julho, quando da reunião in loco promovida pelo Ministério Público Estadual (MPPB), com a presença de representantes da prefeitura, inclusive da própria Secretária de infraestrutura da PMJP, expliquei, didaticamente, como o processo destrutivo fora desencadeado pela obra e como se estabelecera. Naquela ocasião, detalhei o porquê de toda aquela destruição e como a erosão seguiria agredindo a praia, agravando cada vez mais seus efeitos no trecho até ali atingido e anunciando sua progressão na direção de Tambaú.
Nenhuma voz contestou os argumentos técnicos apresentados.
Foto 2: Seta vermelha mostra o nível da areia na praia do Cabo Branco antes do processo de desequilíbrio ambiental provocado pelas obras da prefeitura de João Pessoa (Data da foto: 21/07/2020).
Ao invés de parar a obra e refletir como desfazer o mal feito, nas semanas que se seguiram, até o presente, não se sabe se com ou sem Licença Ambiental, a PMJP despachou uma retroescavadeira e várias caçambas para tentar maquiar o cenário de destruição do trecho atingido (Foto 3). O “trabalho” consiste em recolher o mar de pedras aflorantes na outrora arenosa praia e deposita‐las próximo à linha de gabiões que mantêm estável a ciclovia no trecho final da Avenida Cabo Branco. Ao mesmo tempo, as caçambas descarregam terra (não areia), retirada não se sabe de onde, sobre as pedras relocadas. O trabalho feito durante as horas de maré baixa, conforme esperado pelo mais sem noção dentre os leigos, é desfeito pelo mar na maré alta. Assim, a terra é levada pelo mar e lá estão elas novamente: as pedras no caminho da gestão da PMJP.
Foto 3: Retroescavadeira e caçambas realizando o “trabalho” para PMJP (Data da Foto: 28/07/2020)
Para mim, é impossível calar quando, fazendo‐se uso de rudimentos de Engenharia Costeira, comprovável a olho nu, (i) alertei com antecedência a trajetória de destruição do nosso mais belo cartão postal; (ii) o alerta está sendo confirmado observacionalmente a cada dia e, apesar de tudo isso, o procedimento da PMJP não se altera, pelo contrário: persiste diabolicamente no mesmo erro e, o pior: joga literalmente ao mar recursos públicos, ao assistir a terra transportada pelas caçambas dissolver‐se no ciclo das marés: uma auto condenação imposta que lembra o mito de Sísifo, mas numa versão pessoense adaptada: Sísifo é pago com dinheiro público para transportar as pedras. Em comum com a interpretação existencialista do mito grego tem‐se a falta de sentido em fazer o que está sendo feito.
Por desencargo de consciência, atualizo o estágio de destruição anunciada da enseada do Cabo Branco e sua progressão na direção de Tambaú. Começando pelo trecho mais agredido, quando da visita do MPPB ao local, ocasião em que apontei a todos que até mesmo a areia sob os gabiões de proteção do trecho estava sendo levada pela corrente de deriva. Os gabiões estavam na iminência de se romperem devido a perda do seu apoio arenoso. A foto 4 mostra a situação atual (13/08/2020).
Foto 4: Linha de gabiões em desmoronamento (em frente ao Hotel Costa Atlântica) por falta do apoio arenoso erodido em decorrência da obra da PMJP para suposta proteção da falésia do Cabo Branco (Foto feita em 13/08/2020).
Da mesma forma, para os que me escutavam, informei que os trechos de calçada protegido por muros rígidos, construídos há alguns anos, corriam o risco de serem submetidos a um processo de “fuga de material sedimentar de apoio”, ou seja, erosão sob o piso da calçada, o que transformaria aquele espaço em armadilhas para os pedestres. Para minha tristeza, hoje (13/08/2020) verifiquei que isso já está ocorrendo e, o pior, sequer a Defesa Civil interditou a calçada, frequentada por dezenas de pedestres, ciclistas, patinadores, etc. nesses dias de pandemia (Fotos 5 e 6).
Foto 5: Um dos pontos com fuga de material de apoio da calçada. (a) Vista a partir da praia e (b) Vista a partir da calçada que ruiu, único ponto interditado (Fotos de 13/08/2020).
Foto 6: Conforme previsto: diversos trechos da calçada são “armadilhas” para os pedestres desavisados. Defesa Civil não interditou a área (Fotos: 13/08/2020).
Apesar do “esforço mitológico/existencialista” da PMJP, a maquiagem grotesca do Sísifo mecânico de 10 toneladas – conhecida como retroescavadeira ‐ não resiste às evidências e a agredida enseada do Cabo Branco, antes um cartão postal de praia arenosa ‐ depois das obras, praia pedregosa ‐ agora enfeia‐se mais ainda com outro adjetivo: lamacenta, pois é terra e não areia o que está se usando base da maquiagem. Areia mesmo tem‐se depositada na barreira de pedras executada pela construtora contratada pela PMJP, origem de todo o problema: na barreira fica retida a areia que agora falta ao equilíbrio sedimentológico que reinava na enseada, antes das obras desastrosas bancadas com dinheiro público. Areia que antes fluía para bem fazer a enseada, agora, barrada, soterra, sufoca a fauna e a flora marinha na adjacência da falésia (Foto 7).
Foto 7: Esquerda: foto feita durante a visita do MPPB ao local da obra (21/07/2020). Direita: Foto em 13/08/2020. As referências assinaladas demonstram o soterramento das pedras da obra da PMJP devido à retenção da areia que deveria estar fluindo para a enseada do Cabo Branco. Em apenas 22 dias é notória a elevação do nível do depósito de areia.
Olhando agora na direção de Tambaú, é possível ver a progressão devastadora do transporte de sedimento sem reposição, dado que a reposição arenosa não passa, fica na barreira de pedregulhos erguida pela PMJP no sopé da falésia. Observe a propagação do processo que, nos trechos onde havia mais areia, já carreou milhares de metros cúbicos, evidenciado pelo “batente” com aproximadamente 1,5 metro, visível na Foto 8.
Foto 8: Processo erosivo em propagação na direção da praia de Tambaú (Foto feita em 13/08/2020).
Cenas dos próximos capítulos: todos os gabiões implantados com dinheiro público e em plena vida útil, localizados no trecho final da avenida Cabo Branco, tombarão em direção ao mar e, antes do fim da atual gestão da PMJP, a ciclovia e a calçada no mesmo trecho terão destino idêntico. (Não, Senhor Prefeito, não resistirão até 31 de dezembro, pois o mar é implacável e, quando precisa avançar, nada consegue se interpor, muito menos uma mera maquiagem).
Quanto à progressão do processo erosivo na direção de Tambaú, hoje o trecho atingido em grau inversamente proporcional à distância à obra da PMJP alcança as imediações de um movimentado restaurante da baia do Cabo Branco. Com que intensidade e até onde a destruição alcançará é impossível prever sem uma modelagem técnica/científica adequada.
A pergunta posta como título dessa manifestação (já não é mais alerta, este foi dado há quase dois meses) é dirigida ao leitor que, seja por qual for a razão, não se permite assistir ao que classifico como crime ambiental, sem tomar qualquer atitude, incluindo‐se aí o Prefeito da nossa capital que, certamente, não quer entrar para a história como o alcaide que deu cabo do mais belo cartão postal da nossa amada João Pessoa, muito menos vai querer deixar uma herança como essa para um sucessor que pode, inclusive, ser alguém da própria família.
Quanto à progressão do processo erosivo na direção de Tambaú, hoje o trecho atingido em grau inversamente proporcional à distância à obra da PMJP alcança as imediações de um movimentado restaurante da baia do Cabo Branco. Com que intensidade e até onde a destruição alcançará é impossível prever sem uma modelagem técnica/científica adequada.
A pergunta posta como título dessa manifestação (já não é mais alerta, este foi dado há quase dois meses) é dirigida ao leitor que, seja por qual for a razão, não se permite assistir ao que classifico como crime ambiental, sem tomar qualquer atitude, incluindo‐se aí o Prefeito da nossa capital que, certamente, não quer entrar para a história como o alcaide que deu cabo do mais belo cartão postal da nossa amada João Pessoa, muito menos vai querer deixar uma herança como essa para um sucessor que pode, inclusive, ser alguém da própria família.
• Francisco Jácome Sarmento é Engenheiro Civil e Professor Doutor de Engenharia Civil da UFPB
FONTE: BLOG RUBENS NÓBREGA
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