Efeitos das mudanças climáticas nos oceanos, praias e zonas costeiras urbanizadas.
Estamos publicando no nosso Blog o artigo do colega engenheiro
José Eduardo Carneiro Barros, doutorando do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo - USP.
No artigo o autor chama
atenção para o forte processo erosivo ocorrido em 2012 na praia de Ponta Negra
em Natal, onde marés meteorológicas, destruíram mais de 2 km do calçadão.
Por José Eduardo Carneiro Barros
O aquecimento global tem diversos efeitos nos oceanos,
sendo vários deles tendo o aumento de seu volume como consequência, tais como o
derretimento de geleiras e a perda da massa de gelo na Groelândia e Antártica,
causando o aumento do nível médio do mar globalmente, assim como o aumento da
temperatura média da Terra e dos oceanos, causando a expansão térmica das águas
dos mares, também resultando no aumento de seu nível médio, dentre outros
efeitos mais sutis.
Existem também efeitos de grande importância nos
oceanos que não tem relação direta com o aumento do seu nível, mas terão um
alto impacto ambiental com o passar dos anos, tais como a acidificação dos
oceanos e o branqueamento de corais. Devido ao fato dos oceanos serem grandes
filtradores e estocadores de CO2, um dos gases de efeito estufa mais
significante, já que o aumento de sua concentração na atmosfera é atribuído
principalmente a atividade humana, alterações de suas características químicas,
tais como sua acidificação, afetarão sua capacidade de solubilidade de CO2, por
exemplo, podendo agravar ainda mais a situação do aquecimento global e as
mudanças climáticas.
Além disso, a biodiversidade nos oceanos poderá sofrer
drásticas alterações, já que muitas espécies de vegetais e animais marinhos
possuem uma faixa de latitudes que habitam, dependendo principalmente das
temperaturas mínimas e máximas dos mares, logo, a medida que se altera essa
temperatura, essas espécies tendem a migrar-se. Mangues e corais, por exemplo,
dependem de temperaturas mais quentes, logo, a tendência são eles aumentarem
sua faixa de habitat em direção aos polos. Há também espécies muito sensíveis a
quaisquer variações nas características físico-químicas do seu meio, estas
inclusive frequentemente sendo utilizadas como bioindicadores de qualidade de
biodiversidade, as quais deverão ser afetadas pelas mudanças climáticas
afetando toda a cadeia trófica em que estão inseridas.
Outra consequência significativa que se tem observado
no âmbito das mudanças climáticas relacionadas aos oceanos, é o aumento da
frequência e intensidade de eventos extremos, ou seja, eventos de tempestades
como ressacas, storm-surges (marés
meteorológicas), furacões, tempestades tropicais, tufões, entre outros, tem se
tornado cada vez mais comuns e severos. Diante disso, inundações costeiras vêm
ficando mais recorrentes, tendo se tornado alvo de grande preocupação por parte
de gestores em diversas zonas de risco ao redor do mundo, principalmente devido
ao fato de 70% da população viver a uma distância de no máximo 100km da costa.
Todos esses fatores terão grandes impactos nas praias,
em especial o aumento do nível médio do mar e dos eventos extremos. Como
sabemos, o ambiente costeiro é altamente dinâmico e responsivo a alterações em
quaisquer de seus fatores influentes, seja suas forçantes hidrodinâmicas, como
ondas, correntes, marés e ventos, ou de suas características geomorfológicas
como suas feições e características sedimentares. Portanto, é de se esperar que
as mudanças climáticas terão grande influência em alterações de diversas
naturezas nas praias.
O nível do mar tem estado relativamente estável na
maioria das áreas costeiras há cerca de 6000 anos, com apenas pequenas
oscilações, algumas para um rebaixamento e outras para o aumento do nível da
coluna d’água. Contudo, existem fortes evidências de que há alguns anos está
acontecendo um aumento significativo do nível médio dos oceanos, induzido pelo
aquecimento global, onde sua principal causa é o acúmulo de gases de efeito
estufa na atmosfera, efeito direto da atividade humana.
Embora pareça um tanto trivial, mensurar o nível médio
do mar para se obter uma taxa de aumento ou rebaixamento é uma tarefa complexa,
dado as várias perturbações que influenciam este. Contudo, há algum tempo,
principalmente na década de 90, se iniciou um monitoramento mais preciso do
nível do mar, através de dados medidos em campo, como marégrafos, e ferramentas
como a altimetria por satélites, com o intuito específico de verificar se este
nível está variando. Os principais resultados apontam um aumento de alguns
milímetros por ano na maioria das regiões costeiras estudadas. Embora alguns
apontem um rebaixamento, é um grande consenso na academia que o nível relativo
do mar, em média, está aumentando.
Discutindo mais detalhadamente os efeitos do aumento
relativo do nível médio do mar em zonas costeiras, o mais óbvio é a submersão
da linha de costa atual, que no caso de costões rochosos ou de estruturas
artificiais verticais, poderá apenas elevar os níveis atuais de marés
verticalmente, mas no caso de regiões planas, este aumento levará a um novo
contorno de linha de costa a medida que o mar avança sobre o continente,
podendo inclusive iniciar processos erosivos ou intensificar os já existentes.
Uma outra importante consequência desta elevação de
nível, é o aumento da energia das ondas que chegam a costa, pois a profundidade
da coluna d’água é fundamental para a dissipação da energia delas, já que é
esta que determina onde as ondas irão arrebentar. Portanto, com o aumento deste
nível as ondas tendem a quebrar cada vez mais adiante, reduzindo a dissipação
de sua energia que chega à praia. Além disso, obstáculos naturais ou
artificiais que ficam em seu caminho, como arrecifes, bancos de corais ou
quebra-mares, serão mais facilmente galgados pelas ondas, o que agrava a
situação ainda mais. Ainda, o aumento da energia de ondas chegando a costa
tendem a intensificar ainda mais os processos erosivos, porque elas costumam
ser o principal agente na mobilização de sedimentos nas praias.
Além disso, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
destaca alguns outros efeitos poderão ser observado com este aumento de nível,
tais como perdas significativas de terrenos naturais e antropizados,
fragmentação ou mesmo perda completa de ecossistemas lindeiros à linha de costa
oceânica e estuarina/lagunar, migração vertical de espécies e até ecossistemas
inteiros, o aumento da vulnerabilidade de pessoas e bens, redução dos espaços
habitáveis, comprometimento nas atividades portuárias, perda de solos férteis,
problemas nas atividades agropecuárias, industriais, turísticas e de
serviço-comércio, comprometimento de recursos pesqueiros, comprometimento da
beleza cênica, perda de potencial turístico, alto custo para
manutenção/recuperação/mitigação, problemas de aplicação da legislação
ambiental vigente, prejuízos socioeconômicos e perda da qualidade de vida de um
modo geral.
Paralelo a isso, as mudanças climáticas tendem a
intensificar, ou aumentar a frequência, eventos climáticos que podem
influenciar ainda mais no nível do mar. A tendência de aumento da temperatura
atmosférica, migração de zonas climáticas, expansão dos setores tropicais com
as temperaturas migrando para os setores polares à medida que o domínio da zona
polar encolhe, assim como alterações em sistemas climáticos de grande escala
como o El Niño e La Niña, entre outros efeitos do aquecimento global,
resultarão inevitavelmente em mudanças gerais no clima das zonas costeiras.
Essas alterações podem se manifestar de diversas
maneiras, algumas regiões podem se tornar mais áridas enquanto outras podem
ficar mais úmidas, alterando sua vegetação, que podem se tornar mais abundantes
ou escassas, o que em regiões costeiras também significa mudar a dinâmica local
podendo inclusive agravar situações de erosão. Regiões costeiras mais secas
também poderão ter mais salinidade dos mares penetrando no solo e nas águas
subterrâneas, lagunas secando
Ciclones tropicais poderão ficar cada vez mais
frequente e severos, estendendo-se para latitudes maiores, trazendo consigo um
aumento do nível do mar localmente, devido ao efeito da maré meteorológica,
assim como intensas descargas torrenciais nas costas e regiões adjacentes. As
próprias descargas fluviais causadas por chuvas mais intensas, podem
influenciar no nível local do mar, principalmente em zonas próximas a
desembocaduras de rios, podendo agravar situações de inundação costeira.
Em menor escala, o próprio crescimento urbano
desordenado e excessivo, como a redução da permeabilidade do solo devido a
pavimentação e construções, pode causar alterações no microclima e até
intensificar efeitos adversos nas praias. Devido ao alto poder de
auto-depuração dos mares, e das baixas cotas topográficas, muitas cidades se
aproveitam disso e utilizam regiões adjacentes às praias para obras de
infraestrutura como redes de drenagem, águas residuais, canais e emissários.
Contudo, em situações adversas de eventos climáticos, como ressacas,
tempestades, inundação costeira e o próprio aumento do nível do mar ao longo
dos anos, essas obras poderão se danificar e causar ainda mais danos
ambientais. O caso do calçadão de Ponta Negra (Natal – RN) que sofreu graves
danos devido a uma ressaca e rompeu toda a rede de drenagem e esgoto que estava
em seu interior, é um exemplo disso.
Diante disso, regiões que sofrerão com inundações
costeiras, deverão ter partes baixas de planícies costeiras tendendo a se
tornar áreas pantanosas ou lagoas permanentemente. Contudo, regiões em que
cidades se desenvolveram nessas áreas terão um desafio imenso em como lidar com
essa questão. Existem ao redor do mundo, existem inúmeras obras de defesa para
conter o avanço do mar, erosão costeira, e a ação das ondas e tempestades.
Essas obras têm um custo altíssimo, eficácia, muitas vezes, questionável, além de
afetar a paisagem, qualidade cênica e prejudicar o equilíbrio ambiental natural
da praia.
A alta vulnerabilidade de ambientes urbanizados
próximos a linha de costa, em especial os imóveis “a beira-mar”, que tendem a
ser sobre-valorizados pelo ramo imobiliário quando deviam na verdade ser
sobre-taxados, já que estes são os que mais demandarão intervenções para que
possam estar protegidos dos tais efeitos discutidos, é um fator determinante
para os tomadores de decisão, sendo decisivo para avaliação do risco de tais
locais à erosão e inundação costeira. Enquanto hoje em dia, no Brasil, a maior
parte das obras de “proteção” costeira são financiadas pelo Governo Federal,
via verbas oriundas de Ministério de Infraestrutura, Cidades ou
Desenvolvimento, a tendência é seguir os exemplos que acontecem nos países mais
desenvolvidos, em que os governos locais que devem assumir a responsabilidade
por tais obras.
Aliás, não somente os seres humanos tem
responsabilidade sobre as mudanças climáticas, que possivelmente causarão
situações catastróficas, como, no caso do cenário de regiões costeiras, a forte
pressão antrópica, no que diz respeito a ocupação intensiva em áreas adjacentes
às praias, seja por motivos de recursos, ou meramente fúteis, é talvez o principal
fator responsável pela situação alarmante das consequências das inundações
costeiras. Pois, caso houvessem as defesas naturais, como o sistema de dunas
intacto, a preservação da faixa de areia na zona praial, de forma com que mesmo
com as alterações devido a erosão costeira, houvesse uma amortização devido a
essa faixa ter permanecido inteira, assim como a preservação da vegetação
costeira, que também exerce um papel fundamental na contenção da erosão
costeira natural, a questão das inundações costeiras seria mais facilmente
contornável.
Assim, o que é comum na maioria das cidades costeiras
brasileiras, e até em locais mais desenvolvidos, é a ausência dos mecanismos
naturais de defesa costeira e, no lugar deles, estruturas como enrocamentos,
quebra-mares, aterros artificiais, molhes, entre outros tipos de intervenções
humanas com o intuito de conter tal situação, embora o principal fator para
esses locais se encontrarem nesta situação, foi justamente a intervenção humana
no sentido de ocupar estas zonas de uma maneira desordenada e sem planejamento.
Além disso, tendo em vista o altíssimo preço por metro linear de estrutura dessas
obras, dificilmente países, especialmente os emergentes, terão condições de
enfrentar este desafio desta maneira, principalmente se não houver um
planejamento muito bem definido.
Este planejamento deve começar por admitir o problema
e dando a devida prioridade a ele. Seguir algumas recomendações como: realizar
avaliações de risco associado a inundações costeiras e o aumento do nível
relativo do mar é fundamental e não é algo dispendioso, principalmente com o
apoio de instituições de pesquisa e ensino; tornar a temática da adaptação e
familiaridade com os riscos de desastres relacionados às mudanças do clima,
principalmente relacionados à inundação costeira nas áreas de maior risco, não
só para os tomadores de decisão, mas a sociedade de um modo geral, que terá que
conviver com isso; por fim, nas regiões que precisem de uma solução mais
emergencial, intervir de maneira mais incisiva com obras de contenção
fundamentadas em uma cautelosa avaliação de sua viabilidade e eficácia.
Na Baixada Santista, uma das regiões costeiras com
maior valor econômico do Brasil, por exemplo, existem projeções que estimam em
cerca de 470 milhões de dólares, os prejuízos relacionados a inundação costeira
para o ano de 2100, caso nenhuma ação seja tomada. Há também uma tendência que
50% da área total de manguezal hoje existente nesta área, se perca, além da
inundação de uma considerável área urbana. Estudos deste tipo são fundamentais
para justificar intervenções com o intuito de mitigar tais danos.
Portanto, temos que as mudanças climáticas geram um
grande desafio para autoridades e a sociedade de um modo geral, em especial os
que vivem em zonas costeiras. Monitorar seus efeitos, realizar projeções,
conscientizar a população, elaborar leis e planos de mitigação, assim como
avaliações de risco e vulnerabilidade para então, se tomar decisões assertivas
e eficazes é fundamental para lidarmos com isso e, quem sabe, podermos
contornar a situação.
Nota Informativa:
Em Ponta Negra foi adotada a solução emergencial para
conter o processo erosivo o enrocamento com pedras graníticas, numa extensão de
2, km. O alto custo de manutenção da obra, a dificuldade de acesso da população
a praia recreativa e a proliferação de ratos na praia, são as principais reclamações
de veranistas e turistas. O impacto visual da obra praticamente acabou com um
dos mais belos cartões postais do Brasil.
Sugestão
“É preciso avaliar o impacto
ambiental antes de decidir qual a intervenção será feita numa praia. Nas obras emergenciais
para proteção costeira, deve-se levar em conta o custo-benefício do
investimento para evitar resultados negativos, procurando nos projetos de
engenharia a recuperação da praia recreativa.”
Marco Lyra
FONTE: MARCO LYRA
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