A translação do oceano no Leblon (RJ) e a erosão do litoral brasileiro, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

calçadão do Leblon após ressaca

O último fim de semana de outubro de 2016, no Brasil, foi marcado pelo segundo turno das eleições municipais, mas também pela ressaca que atingiu várias cidades e regiões do país. Isto mostra que o aquecimento global e o aumento do nível do mar já são uma realidade inquestionável. Somos a primeira geração a sentir os efeitos do crescente aumento da acumulação de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera e, talvez, a última geração que ainda terá alguma chance de evitar uma catástrofe climática.

O que aconteceu no último fim de semana de outubro foi apenas um alerta. Foi um sinal de que os “céticos do clima” estão equivocados e que o Brasil precisa se preparar para o avanço das águas salgadas sobre as construções humanas. A cidade do Rio de Janeiro é a maior aglomeração urbana do litoral brasileiro e conta com uma população superior a 6 milhões de habitantes. Duas pessoas morreram quando um trecho da ciclovia Tim Maia foi derrubado pela fúria das ondas, no feriado de Tiradentes, no 21 de abril de 2016.

Em 2016 aconteceram diversas translações do mar sobre as praias da cidade, como a invasão do mar na avenida Atlântica, em Copacabana, pouco antes das Olimpíadas. Mas nenhuma translação teve o impacto da ressaca que destruiu um trecho do calçadão do Leblon e invadiu a avenida Delfim Moreira, levando areia e entulho até a calçada dos prédios, gerando prejuízos nas garagens dos edifícios de um dos bairros mais ricos da cidade. A estrutura do Mirante do Leblon foi atingida e danificada, enquanto outros trechos correm o risco de afundar devido à erosão.

Tudo isto aconteceu no sábado (dia 29 de outubro). Mas o mais impressionante é que a vulnerabilidade do litoral carioca sequer foi mencionada por qualquer dos dois candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro, que protagonizaram um debate repleto de denúncias e ataques pessoais na sexta-feira (dia 28/10). Ou seja, as praias cariocas estão sendo invadidas pelo mar e a maior parte das construções costeiras podem ficar submersas – gerando enormes prejuízos materiais – porém, a campanha eleitoral esteve dominada pela guerra de desqualificação mútua das candidaturas. Não surpreende, pois, o alto número de votos nulos, brancos e abstenções. Parece que os políticos, quer seja de esquerda ou de direita, não estão preparados para os grandes desafios e riscos pelos quais passam as metrópoles brasileiras diante das mudanças climáticas.

calçadão do Leblon após ressaca

No mesmo dia 29 de outubro, a cidade de Santos, no estado de São Paulo, sofreu mais uma vez os efeitos da ressaca, com ondas de 3 metros avançando sobre a cidade. Na Ponta da Praia cairiam muretas e pedras dos mosaicos portugueses da calçada se soltaram. A travessia de balsas entre Santos e Guarujá chegou a ficar paralisada por duas horas por conta da agitação da maré. A orla da Ponta da Praia ficou cheia d’água e também gerou prejuízos no lado da calçada dos prédios. Segundo o jornal A Tribuna, mais de 20 toneladas de areia e entulho foram removidas. Houve bloqueio de tráfego na avenida da praia (Av. Saldanha da Gama), entre o Canal 6 e Av. Capitão João Salermo. Os desastres estão virando rotina em Santos.

No Rio Grande do Sul, a ressaca causou transtornos para a população que vive no litoral gaúcho. No município de Santa Vitória do Palmar, mais de 100 casas foram atingidas pela força do mar. A cidade ficou sem abastecimento de água e luz. Um vídeo feito por um morador mostra o momento em que uma casa foi destruída (ver no link abaixo). De acordo com a Defesa Civil, dezenas casas foram destruídas, e outras 30 correm risco de desabar.

Estes são alguns exemplos de destruição provocada pelo aumento do nível do mar, em apenas um fim de semana. A tendência é que estes acontecimentos vão se multiplicar nas próximas décadas. Toda a costa brasileira está ameaçada.

O litoral brasileiro foi o ponto de encontro de duas civilizações e se tornou a “cabeça de ponte” fundamental para a colonização portuguesa no continente americano. Como disse frei Vicente de Salvador: “os portugueses arranharam a costa brasileira feito caranguejo”. A maior parte da população e da economia brasileira está localizada nas áreas litorâneas. Durante cinco séculos, o Brasil explorou as riquezas existentes entre as ondas e as baixadas costeiras. Aproveitou a fertilidade do oceano e dos deltas dos rios para construir cidades e para espalhar a presença humana ao longo e às custas da Mata Atlântica. Mas, agora no século XXI, o litoral está submergindo em decorrência do avanço do mar provocado pelo aquecimento global.

Da chegada de Pedro Álvares Cabral até agora, os benefícios dos ecossistemas costeiros superaram os custos do processo civilizatório. Mas as indicações apontam que esta relação está se invertendo e os custos podem superar os benefícios nas próximas décadas. A natureza degradada pode não suportar mais o peso do modelo “extrai recursos, produz bens e serviços e descarta lixo, poluição e resíduos sólidos” (fluxo metabólico entrópico). O aumento da concentração de dióxido de carbono está provocando a acidificação das águas e do solo, o que reduz a vida marinha e terrestre e provoca extinção de espécies. O efeito estufa degela o Ártico, a Groenlândia, a Antártica e os glaciares e os fluxos do derretimento do gelo caem nas águas quentes dos oceanos e eleva o nível dos mares, que, por sua vez, avançam inexoravelmente sobre as áreas mais baixas dos continentes.

O afundamento do litoral brasileiro e a inundação das partes baixas das cidades litorâneas vão gerar um grande dano à economia brasileira e ao padrão de vida da população. O choque climático pode agravar o choque social e gerar uma espiral descendente para o futuro do desenvolvimento brasileiro.

Referências:

ALVES, JED. A crise do capital no século XXI: choque ambiental e choque marxista. Salvador, Revista Dialética Edição 7, vol 6, ano 5, junho de 2015

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate

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