Obras de proteção costeira: uma abordagem baseada em sistemas dissipativos
Coastal protection works: approach about dissipative systems
O ambiente litorâneo é um sistema natural, complexo e integrado onde as implicações de seus integrantes individualmente são aleatórias e não previsíveis. Estes sistemas evoluem no tempo e no espaço, com um comportamento desequilibrado e aperiódico, onde seu estado futuro é extremamente dependente de seu estado atual, e pode ser mudado radicalmente a partir de mudanças no presente.
A modelagem da linha de costa deve-se a um conjunto de forças complexas que atuam no ambiente costeiro, formando o padrão existente.
Observando-se da praia para o mar, verifica-se o movimento caótico das ondas com suas alturas variando a cada avanço e recuo do mar, verifica-se a intensidade do vento constantemente mudando de velocidade, as grandes quantidades de areias se deslocando ao longo da linha de costa, tudo muda nesse ambiente em fração de segundos. Por outro lado, observando-se do mar para a praia, verifica-se o mesmo ambiente caótico sendo que a costa é a região onde parece que todas as forças convergem. É como se a costa fosse um atrator caótico (Souza, 2011).
Dessa forma pode-se concluir que as praias e as zonas costeiras são as regiões onde se faz sentir a ação energética do mar sobre os continentes. É a costa o obstáculo onde as ondas acabam por dissipar toda a sua energia.
No livro “Recuperação de praias e dunas” (Nordstrom, 2010), o autor aponta a necessidade de se buscar melhor eficácia nas ações para encontrar soluções que tragam benefícios ambientais no controle da erosão costeira. É preciso atingir metas de recuperação de praias com a utilização de um novo conceito de naturalidade, buscando nas soluções de engenharia a reconstrução da paisagem natural.
As mudanças climáticas que estão a caminho demandam uma maior percepção e preocupação com relação à intensificação dos processos de erosão e inundação, aumentando a demanda por obras de proteção costeira, e a necessidade de buscar melhor eficácia nas ações para encontrar soluções que tragam benefícios ambientais no controle da erosão costeira em áreas urbanizadas.
É preciso mudar as atitudes de cientistas, de especialistas em recuperação e de reguladores ambientais, para se atingir metas de recuperação de praias com a utilização de um novo conceito de naturalidade, buscando nas soluções de engenharia a reconstrução da paisagem natural.
Neste século, a rapidez das mudanças que estão ocorrendo, são consideradas sem precedentes tanto na área social, política e tecnológica. Novas conquistas como “Teoria do Caos” (Lorenz, 1963), “Fractais” (Mandelbrot,1982), etc., têm sido estudadas e aplicadas em Economia, Administração, Biologia, Medicina, e outras áreas com bastante propriedade.
Depois do “Caos”, não se pode negligenciar os fatores poucos significativos, pois é no ambiente caótico que pequenas alterações podem gerar grandes transformações, pondo a perder projetos ou planos não preparados para essas ocorrências (Baker and Gollub, 1990). Em quase todos os campos do conhecimento essa nova maneira de interpretação de dados tem sido aplicada com êxito.
Na Teoria das Estruturas Dissipativas (Prigogine, 1997), todos os sistemas vivos, inclusive o universo, estão adaptados para uma capacidade intrínseca de auto-organização consciente. Enquanto a natureza usa o não-equilíbrio para produzir vida e todas as complexas estruturas existentes no universo, os sistemas vivos se organizam cooperativamente em redes para se manterem equilibrados. Segundo a lei da termodinâmica, qualquer sistema fechado está sujeito à desordem – processo conhecido como entropia.
A entropia pode ser definida como uma medida de trabalho organizado.
Um sistema com baixa entropia tem maior habilidade de organização do que um sistema com alta entropia. Após a entropia, pode vir o caos, e, se o sistema não se reorganizar, se for um sistema fechado, ele se auto-aniquila. Um sistema fechado é aquele que não pode trocar energia com o ambiente externo. Por isso, a entropia é menor nos sistemas abertos. Para um sistema ser aberto, ele tem que ser uma estrutura dissipativa. A dissipação revela o caráter auto-organizativo de qualquer sistema vivo e aberto. Ou seja, durante a entropia, para o sistema não morrer, ele deve se tornar uma estrutura dissipativa, permitindo que uma nova ordem surja – a ordem vem do caos! (Prigogine, 2004).
A recuperação e gestão de praias e dunas exigirão um esforço contínuo de conscientização da população existente no local e dos turistas. A especulação imobiliária crescente com tendência a antropização da paisagem em detrimento de uma paisagem natural deverá ser o foco da discussão e da mitigação com os atores envolvidos na questão. A aprovação de projetos de proteção costeira terá que ser objeto de uma dialética entre os diferentes interesses e as soluções de engenharia, as necessidades de lazer e as considerações ecológicas (Muehe, 2010).
A importância de preservar a variabilidade morfodinâmica, com transposição ocasional de ondas para o reverso do campo de dunas para a manutenção de ecossistemas mais úmidos, e a alteração da topografia da praia e da duna em resposta a eventos de tempestade, implica numa mudança na concepção de projetos de obras duras como muros e quebra-mares (Muehe, 2010).
Os resultados positivos obtidos nos últimos nove anos no litoral do Nordeste do Brasil, onde foram construídos cinco dissipadores de energia “Bagwall” para controle da erosão costeira, em condições geológicas, geográficas, morfológicas e hidro- dinâmicas completamente distintas, indicam coincidências constantes que devem ser repetidas em outras praias com processos erosivos.
Praia do Icaraí - após a construção do Bagwall a praia recuperou 50 metros de faixa de areia em um ano. |
Ilha da Croa - um ano após a construção do Bagwall a praia recuperou 30 metros de faixa de areia |
Nas praias onde os dissipadores de energia Bagwall foram instalados, eles funcionam como um sistema essencialmente evolutivo. Essa evolução requer que o sistema esteja sujeito a mudanças, isto é, ele é capaz de apresentar uma instabilidade que lhe permite sofrer mudanças, mas apresenta capacidade de absorver impactos externos, sem comprometer o processo de auto-organização do sistema, no caso a praia.
Marco Lyra | Engenheiro civil especialista em obras de defesa costeira
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