A ria de Aveiro (Portugal) terá duas aberturas para o mar em 2040, se nada for feito

 
Há mais de mil anos, a região de Aveiro era uma baía. Havia praia onde hoje se encontra a ria que marca a paisagem da região. Séculos de sedimentos, trazidos pelo rio Douro para o mar, foram-se acumulando ao longo da costa, ajudando a construir as línguas de areia e o actual ecossistema. Mas desde o século XX que é o mar que está a roubar terra. Até 2040, esta erosão vai continuar e as praias junto de Aveiro poderão perder até cerca de três metros por ano, mostra um modelo matemático aperfeiçoado por um cientista português. E é quase certo que a ria terá uma segunda ligação ao mar.

A região litoral entre Espinho e o cabo Mondego e a costa Sul algarvia, entre Ancão e Monte Gordo, são as duas zonas de Portugal continental mais vulneráveis à erosão costeira. Carlos Coelho, engenheiro de formação e investigador do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro, aperfeiçoou um modelo de erosão costeira e estimou a quantidade de terra que desaparecerá até 2040 entre Esmoriz e Furadouro (12 quilómetros de costa a norte de Aveiro) e entre Vagueira e Mira (16 quilómetros de litoral, a sul de Aveiro).

Nos últimos 52 anos, a costa já recuou 73 metros perto de Vagueira e 120 metros abaixo de Esmoriz. Mas a erosão não vai parar. "Nas zonas mais gravosas, entre Maceda e Furadouro [a norte de Aveiro] e Labrego e o Poço da Cruz [a sul de Aveiro], os valores médios resultantes do modelo rondam os três metros por ano", diz Carlos Coelho. Ao fim de outro meio século, uma erosão com esta intensidade traduzir-se-á em 150 metros a menos de terra.

O investigador não gosta de dar números absolutos resultantes dos modelos utilizados para o estudo. O doutoramento, que terminou em 2005 em Aveiro, foi passado a desenvolver um novo modelo baseado num modelo norte-americano criado no final da década de 1980. "Todos os fenómenos associados à linha costeira são complexos", refere o cientista. É preciso ter em conta os sedimentos que estão em suspensão, a ondulação, as marés, as correntes marítimas ou a areia. "Há muitos factores que não se conseguem traduzir matematicamente." Por isso, os resultados são sempre limitados.

Carlos Coelho continuou a trabalhar neste tema e resolveu testar quatro cenários para 2040. No primeiro, assumiu uma ondulação futura igual às dos registos entre 1971 e 2000. No segundo, teve em conta uma mudança da ondulação devido às alterações climáticas. No terceiro, além da mudança na ondulação, acrescentou uma subida do nível do mar de 42 centímetros; e no último elevou esta subida para 64 centímetros.

As consequências das alterações climáticas, testadas nos três últimos cenários, contribuirão para apenas cinco a 10% no recuo da costa. "No nosso litoral, o principal problema não é a subida do nível médio do mar", conclui o cientista. Graças às barragens, à regularização dos cursos de água, às dragagens ou à exploração dos materiais inertes, houve uma redução drástica dos sedimentos vindos dos rios - cerca de 85% no último século. É a falta destes sedimentos que está a afectar o litoral.

Os primeiros resultados obtidos por Carlos Coelho e colegas, que serão publicados na revista Journal of Coastal Research, indicam a possibilidade de uma grande mudança na ria de Aveiro. A juntar à actual ligação permanente junto à praia da Barra, haverá uma segunda abertura para o mar, a sul da povoação de Labrego. No primeiro modelo, o mar junto a Labrego avançará terra adentro cerca de 300 metros, alcançando a ria em 2040. "Partindo do pressuposto de que não haverá intervenção do homem, a probabilidade de isso acontecer é enorme", diz. Essa ligação, acrescenta, mudaria a salinidade, as correntes e a biodiversidade da ria.

Em 2002 e 2011, temporais de Inverno fizeram o mar galgar a areia e atingir a ria. Depois, reconstruíram-se as dunas. É isso que o cientista prevê para as próximas décadas, se houver dinheiro: reconstrução das dunas, protecção da costa nas zonas urbanizadas para evitar inundações ou até a artificialização de praias, com pontões e areia, que se irão esfumando se nada for feito.

Mas, na zona acima de Furadouro, sem interesse urbano, o mais certo é o mar ganhar terreno à floresta. "Ou a costa vai recuar ou artificializar-se." Seja como for, uma coisa é certa, em 2040 o litoral será diferente.
 
Fonte:  http://www.publico.pt

Comentários

Mais visitados