Calçadão de Ponta Negra (Natal - RN)

Senhor Editor (Jornal de Hoje):

Grande número de sinistros em engenharia é ocorrência anunciada. Desta vez as atenções estão voltadas para o calçadão de Ponta Negra, e o problema é recorrente, porque não é a primeira vez que ocorre ali, e nem muito menos no vasto litoral do RN, basta analisar o que vem ocorrendo em vários municípios, principalmente em Caiçara do Norte onde o mar já invadiu ruas inteiras, e em Natal. Aqui em Natal, em 2010 foi na Praia do Meio, um ano antes foi em Areia Preta, dez anos antes foi em Redinha, quinze anos antes ocorrera na Ponta do Morcego, e justamente na Praia de Ponta Negra, promovendo repetições de queda de proteção a nossas encostas. Nesse período de quinze anos, tivemos obras iniciadas e não concluídas em pelo menos dois desses sinistros. Mas agora, nossas atenções devem se voltar para o calçadão de Ponta Negra.

A queda do muro e da calçada de Ponta Negra teve duas razões para ocorrer. Primeiro e sem dúvida, o avanço do mar. E segundo, com grande incidência, a drenagem das águas de chuva acompanhadas da presença de águas servidas que passeiam entre os turistas e nossa população. Estas águas, quando não ordenadas no seu transporte, vazam para os aterros confinados pelo muro de arrimo, e transportam “os finos”, que são pequenos grãos de areia para fora do confinamento, criando vácuos, inicialmente milimétricos, mas crescentes com a insistente ação das águas.

Em final de 1999 um convênio foi assinado entre o Governo do Estado e a Prefeitura do Natal, para realização de obras em parte do calçadão de Ponta Negra, incluindo a construção do calçadão justamente no local que hoje os sinistros se somam. Cabia como condição de funcionamento da obra, uma drenagem bem feita, e uma fiscalização contra as águas servidas que povoavam e ainda povoam as ruas do bairro, incluindo ligações clandestinas e criminosas de esgotos para as galerias de água pluvial, que deteriora as tubulações que são exclusivas para transporte de águas de chuva. Para a construção da calçada foi construído um muro de arrimo na areia da praia, criando um caixão que recebeu aterro e o calçadão, embelezando a nossa Ponta Negra, e agregando conforto e segurança ao visitante e usuário da Praia. E aí, neste momento começaram os problemas que a nosso ver anunciavam um sinistro num futuro próximo. É que quando da construção do calçadão, este muro de arrimo foi feito com a profundidade e tipo de fundação inadequado a conter qualquer avanço do mar, sendo responsável apenas para suportar as cargas do aterro confinado e do próprio calçadão. O muro foi construído com uma fundação de pouco mais de 60 cm de profundidade.

Doze anos depois de construído o muro veio abaixo, surpreendendo apenas os que não conheceram o processo construtivo, ou os que ainda não entenderam que nosso litoral está à margem da segunda maior concentração de águas do planeta, águas em movimento diário, com a força do Atlântico. Hoje a Prefeitura luta para recuperar, aplicando uma medida paliativa, e gerando nova sequência de sinistros anunciados para o futuro. A ideia do município é construir outro muro de contenção, desta vez com 1,20 metro de profundidade, e 2,0 metros de largura, em concreto ciclópico com utilização de aditivo apropriado para a resistência a águas carregadas de sais que impactarão cada vez mais o litoral.

Certamente não é a melhor solução, porque esta passaria por uma obra de contenção do avanço do mar, com valores dezenas de vezes maiores que a obra que se anuncia, parecida com o que foi aplicada na Ponta do Morcego e em Areia Preta, com tensores fixados em pleno leito da avenida.

De quem é a culpa do sinistro? É difícil responder. Garanto que não é da engenharia, nem do mar. Mas sei que as ações do mar são de responsabilidade pública, principalmente do Governo Federal, que tem programa instituído pra tudo que se tem notícia menos para políticas de proteção e de manutenção das ações do mar. E o caso de Ponta Negra tem raízes antropológicas nas políticas publicas, mesmo sabendo das incidências na política viária, de saúde publica, de economia, e até na política da decisão técnica envolvendo o calçadão. E o nosso alerta, é que continuaremos ainda por um longo tempo assistindo aos devaneios dessas políticas paliativas diante dos grandes sinistros que estão anunciados.

É só esperar, pra ver onde o mar vai ser novamente o culpado.

Adalberto Pessoa de Carvalho Ex-presidente do CREA RN (adalberto.pessoadecarvalho@gmail.com)

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