Praia do Francês: estudo de correntes de retorno


Dois são os tipos principais de correntes que promovem o transporte de sedimentos nas praias: as correntes de deriva e as correntes de retorno. Apesar de serem mais fracas, as correntes de deriva são as que mais transportam sedimentos arenosos ao longo da costa por um processo denominado deriva litorânea (VILLWOCK, 1987) e são geradas pela inclinação natural das ondas ao atingirem as praias com o conseqüente aparecimento de uma corrente fraca, mas capaz de transportar os sedimentos suspendidos pelas ondas (ARAUJO 2011). Geralmente, essas correntes têm a direção determinada pelos ventos predominantes aliados ao efeito de Coriolis. Em Alagoas, o sentido predominante das correntes de deriva litorânea ao longo do ano é na direção sul, obedecendo ao princípio de Coriolis.

Das correntes litorâneas existentes, a corrente de retorno é das mais ativas e que se localiza na praia. Suas águas deslocam-se em velocidades altas, o que confere a essa corrente uma grande capacidade de arraste. Sendo essa a maior responsável pelo alto número de afogamentos verificados em algumas praias.

O processo de transporte de sedimentos é o mecanismo pelo qual os sedimentos são redistribuídos, e está relacionado a vários problemas encontrados de erosão, progradação e sedimentação na costa.

Devemos ter sempre em mente que uma onda não transporta água, transporta energia, constituindo-se em uma plataforma de deslocamento de energia superficial no oceano. Energia essa oriunda da ação dos ventos sobre a superfície oceânica. Isso é, quanto maior a velocidade e a extensão dos ventos sobre a superfície oceânica, maior a energia transportada pelas ondas, e essa energia terá que ser dissipada na praia. Devemos ter também a consciência de que a velocidade dos ventos está diretamente relacionada às diferenças térmicas entre as zonas de baixa pressão (continente) e alta pressão (oceano). Os desmatamentos, mesmo aqueles no interior do continente, contribuem para o aumento da temperatura continental, aumentando concomitantemente a velocidade dos ventos sobre a superfície oceânica gerando com isso, ondas mais fortes.

Os principais agentes que atuam influenciando o transporte de sedimentos para a região litorânea são os rios e os ventos. Os rios são o maior contribuinte no aporte sedimentar para a região costeira.

Brandão (2008) constata que entre os principais mecanismos para a remoção de sedimentos em direção à plataforma continental adjacente se encontram as correntes de retorno (rip currents) geradas pela atuação de correntes longitudinais de sentidos opostos que convergem no mesmo setor praial, formando células de circulação litorânea (Figura 1).

Figura 1 – Corrente de retorno em uma praia aberta. Adaptado de The COMET Program, 2006.
Uma das conseqüências das correntes de retorno, como o próprio nome diz, é retornar parte dos sedimentos da praia em direção ao oceano.

Figura 2 – Início de formação de uma corrente retorno em praia aberta, notar que a mesma se inicia na praia. Fonte: USLA,2005 .
Esse transporte sedimentar é importante para deposição paralela à praia de grande parte dos sedimentos transportados pela mesma, criando bancos de sedimentos denominados cristas submarinas ou barras praiais, cuja função é elevar o leito do mar promovendo com isso a quebra das maiores ondas, distantes de 100 a 300 metros da praia.
Figura 3 – Corrente de retorno evidenciando a característica pluma de sedimentos tracionados da praia e lançadas mar adentro. Foto: Nick Steers, 2006
Diversas correntes de retorno podem atuar simultaneamente ao longo de uma mesma praia, cada uma distando em média cerca de 100m da outra (Figura 4).
Figura 4 – Desenho esquemático mostrando a atuação de diversas correntes de retorno em uma praia aberta. Fonte: Adaptado de The COMET Program,2006.
Uma corrente de retorno não permanece estática em um mesmo local, sofrendo um lento deslocamento ao longo da praia. Isso impede que a praia sofra um rebaixamento excessivo em determinado local. Entretanto, devido a construções de natureza antrópica, tais como diques, barramentos e portos, uma corrente de retorno pode ser, nesse caso, impedida de deslocar-se, ficando retida por períodos mais longos em um dado local. A conseqüência desse fato é o rebaixamento excessivo com a perda de um trecho significativo da praia, pois o mar avançará sobre a praia rebaixada, devido ao déficit sedimentar promovido pelo bloqueio da corrente de retorno.

Figura 5 – Erosão da Berma no setor sul da Praia do Francês por ação de uma grande corrente de retorno, o efeito ocorreu com uma duração de 72h.
Fonte: Amorim & Campion, 2007.
 Atualmente, essa mesma berma encontra-se com grande parte dos sedimentos repostos.

Por outro lado, a praia guarnece-se de depósitos sedimentares suplementares como as dunas de praia, sendo a principal dela a berma. A vegetação sobre a berma contribui para reter o sedimento transportado pelos ventos na praia. Esse depósito vez ou outra é erodido pela corrente de retorno que busca sedimentos para conter a energia das tempestades que se aproximam sob a forma de fortes trens de ondas. Durante o verão o mar devolve à praia os sedimentos carreados pelas correntes de retorno, o vento transporta-os para a berma e a vegetação fixa-os, mantendo-os na praia. Portanto o que parece ser uma erosão da praia e da berma na realidade é um mecanismo de proteção que o oceano utiliza para preservar e manter toda a planície costeira.

Assim, deve-se evitar qualquer atividade antrópica sobre a berma e sua vegetação, bem como não projetar construções sobre a mesma, tendo o cuidado inclusive quando da necessidade da construção de obras de proteção costeira, evitar o uso de espigões que podem produzir o rebaixamento da praia, pela impossibilidade da corrente de arrastar parte do sedimento da berma, Tal se reflete no rebaixamento do nível da praia, levando-se a acreditar que o mar esta avançando, quando na realidade a praia é que foi levada embora.

Os estudos realizados nas correntes de retorno da Praia do Francês em Marechal Deodoro, no estado de Alagoas levaram as seguintes conclusões:
  • A corrente de retorno é o principal mecanismo de remoção do sedimento da praia e da berma produzindo erosões pontuais ao longo da praia.
  • Os sedimentos removidos pela corrente de retorno são dispostos paralelamente à praia, formando bancos ou barras submarinas, cuja principal função é promover a quebra das ondas distante da praia.
  • O tamanho e a quantidade das correntes de retorno em uma praia têm relação direta com a energia das ondas e ventos.
  • A dissipação da energia das ondas através das estruturas construídas a barra e o canal, com o transporte e conseqüente deposição de sedimentos atenuam os mecanismos erosivos à praia e, por conseguinte, preservando a planície costeira.
  • Observou-se um aumento gradativo no transporte de sedimentos na cabeça da corrente de retorno no final do verão. Indicando uma provável engorda da região das barras.
  • No período de inverno, ocorreu contrariamente ao verão aumentos no transporte de sedimentos na região da boca da corrente de retorno. Mostrando que a retirada dos sedimentos da praia foi mais intensa nesse período.
  • As correntes de retorno deslocam-se lentamente ao longo de uma praia. Qualquer mecanismo de natureza antrópica que impeça o seu deslocamento aumentará os processos de rebaixamento da praia naquele trecho. Promovendo o desaparecimento da praia, com o conseqüente avanço do mar.
  • O maior transporte de sedimento ocorreu no período compreendido entre abril e início de junho, período que antecede os grandes temporais, indicando que o mecanismo de construção das barras antecede as tempestades e ressacas, promovendo a proteção da praia e, por conseguinte, de toda a planície costeira desses fortes agentes erosivos marinhos.
Por 
Gabriel Louis Le Campion - O professor da UFAL Gabriel Louis Le Campion (Oceanógrafo) nos apresenta nesse artigo os estudos feitos por ele e Atahualpa Araujo (Biólogo e policial Militar do Corpo de Bombeiros de Alagoas) sobre as correntes de retorno na belíssima praia do Francês, em Marechal Deodoro, no Estado de Alagoas.

Comentários

Bia Mafemo disse…
Olá
por favor, gostaria de ter o link o uma referência certinha pra achar esse trabalho do BRANDÃO 2008. por favor!

biamafemo@hotmail.com

muito esclarecedor este artigo!

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